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Problemática da soft-law na legislação portuguesa de preços de transferência

Como devem as empresas navegar entre a legislação local e as orientações da OCDE sem comprometer a conformidade fiscal?

Na ausência de uma expressão portuguesa de alcance equivalente, a soft-law refere-se a diretrizes, normas ou princípios, que, apesar de não serem juridicamente vinculativos, exercem influência na tomada de decisão e podem mesmo, em certas situações, como seja no âmbito do preenchimento de lacunas interpretativas, produzir efeitos jurídicos. Apesar da soft-law não ter, por si, força suficiente para estabelecer imposições fiscais, contrariamente à lei propriamente dita, a mesma apresenta um papel fundamental na regulamentação de matérias fiscais a nível local e internacional.

Alguns exemplos de soft-law em matéria de preços de transferência são as convenções, comentários, orientações e relatórios da OCDE e da ONU, de natureza interpretativa. Entre estes, salientam-se as Orientações da OCDE (Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, 2022), as quais têm como objetivo a difusão de princípios orientadores, de forma a estabelecer soluções mutuamente satisfatórias tanto para as empresas multinacionais como para as administrações fiscais. Assim sendo, os Estados-membros da OCDE são encorajados a seguir as suas diretrizes, contudo as mesmas não apresentam carácter obrigatório, nem vinculativo.

No caso português, o normativo nacional encontra-se alinhado com os princípios diretores da OCDE, podendo as orientações da OCDE, de forma suplementar, ser consideradas em matéria de preços de transferência. Inclusive, na legislação local é recomendada a consulta dos relatórios da OCDE nos casos de maior complexidade técnica.

Apesar das vantagens e do importante contributo da soft-law, a nível local e internacional, alguns desafios e problemáticas emergem, principalmente, quando se identifica uma diferença entre o estabelecido na lei em vigor face à soft-law, como é o caso das Orientações da OCDE. Vejamos, como exemplo, a temática dos serviços de baixo valor acrescentado.

Segundo as orientações da OCDE, e numa ótica de simplificação, no caso dos serviços de baixo valor acrescentado, ou seja, serviços de suporte com carácter acessório ao core business de um grupo, é possibilitada a aplicação de uma política de preços de transferência de custo acrescido de um mark-up de 5% (embora sujeito a determinadas condições). Porém, a legislação portuguesa é omissa quanto à aplicação do referido regime, sendo mencionado que a política de preços de transferência a aplicar numa operação de serviços intragrupo deverá incluir uma margem de lucro apropriada considerando critérios como as alternativas económicas disponíveis para o destinatário, a natureza da atividade de prestação dos serviços, a relevância dessa atividade para o grupo, a eficiência relativa do prestador do serviço e qualquer vantagem que o grupo retire de tal atividade, bem como a qualidade em que o prestador dos serviços intervém - fatores estes não ponderados na remuneração prevista pela OCDE.

Face ao elevado escrutínio dos serviços intragrupo por parte das Autoridades Tributárias, e dada a discricionariedade por parte da mesma quanto à aplicação desta orientação, atualmente, ainda é aconselhado que seja efetuada uma pesquisa de comparáveis que comprove que, de facto, o mark-up aplicado é de plena concorrência (similar ao que seria aplicado entre entidades independentes a atuar em circunstâncias comparáveis), e não uma mera transposição das diretrizes da OCDE, especialmente considerando que as mesmas não possuem força jurídica vinculativa.

Espera-se portanto, que com a proposta de diretiva de preços de transferência em cima da mesa, a qual tem como objetivo garantir que os Estados-Membros adotem legislação e procedimentos consistentes nesta matéria a problemática da aplicação soft-law, pelo menos no contexto dos Estados-Membros, venha a ser reduzida e que permita uma maior harmonização da prática fiscal de Preços de Transferência, resultando numa uniformização de abordagens e processos bem como diminuição de custos de compliance dentro dos grupos económicos.

Até lá, e por forma a evitar situações de contencioso fiscal com a Autoridade Tributária local, espera-se que os contribuintes continuem a adotar uma posição mais conservadora, garantindo que as práticas de preços de transferência estão em conformidade com a legislação local.

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