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IVA indevidamente liquidado em fatura – É sempre devido?

As decisões mais recentes do TJUE, e, em especial, o Acórdão C‑378/21, de 8 de dezembro de 2022, apontam no sentido de que a regra que determina que o IVA é devido por qualquer pessoa que mencione esse imposto numa fatura (ainda que indevidamente), não deve ser aplicada de forma indeliberada, e independentemente das suas consequências no sub judice. Na medida em que esta regra visa, essencialmente, eliminar o risco de perda de receitas fiscais, em princípio, a sua aplicação depende da existência de tal risco, no caso concreto.

Resulta da legislação de IVA nacional e comunitária que o IVA é devido por qualquer pessoa que mencione esse imposto numa fatura. A este respeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se já no sentido de que esse IVA é devido pelo emitente da fatura, mesmo que não se verifique qualquer operação tributável real (i.e., mesmo que se trate de IVA indevidamente mencionado, por exemplo, no âmbito de uma operação simulada), o que, aliás, vai de encontro ao estabelecido na alínea c), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA, de acordo com a qual são sujeitos passivos de IVA “As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura”.

No entanto, o próprio TJUE reconhece que esta regra, prevista no artigo 203.º da Diretiva IVA, visa, essencialmente, eliminar o risco de perda de receitas fiscais que possa resultar do facto de o destinatário da fatura em questão poder invocar o seu direito à dedução desse IVA.

Foi, assim, neste contexto que o TJUE se pronunciou sobre o caso de uma entidade que explorava uma área de jogos interior, prestando serviços exclusivamente a consumidores finais (sem direito à dedução do IVA suportado). A entidade tinha, nos anos em questão, liquidado (erradamente) IVA a uma taxa superior à aplicável aos serviços que prestou e, ao verificar o seu erro, pretendia agora regularizar a seu favor o IVA pago em excesso às Autoridades Fiscais (e cobrado aos seus clientes). Este procedimento não foi aceite por aquelas Autoridades, na medida em que o sujeito passivo não conseguia proceder à correção das faturas emitidas (por não dispor dos dados dos seus clientes), nem proceder à devolução do IVA pago em excesso àqueles, o que geraria, na sua esfera, uma situação de enriquecimento sem causa.

A decisão do TJUE a este respeito foi no sentido de que o prestador do serviço (e emitente da fatura) não deve ser considerado devedor do imposto que indevidamente mencionou na fatura (i.e., da parte do IVA faturado erradamente, por aplicação de uma taxa superior à devida), caso não se verifique um risco de perda de receitas fiscais, pelo facto de os adquirentes desse serviço serem consumidores finais (i.e., sem direito à dedução do IVA pago a montante). Tal conclusão resulta do facto de, no entender desse Tribunal, a própria norma que determina que que o IVA é devido por qualquer pessoa que mencione esse imposto numa fatura, visar apenas acautelar o risco de perda de receita fiscal pelo que, excluído esse risco, a mesma não terá aplicabilidade.

No que respeita à questão do enriquecimento sem causa, o Tribunal optou por não se pronunciar sobre a mesma. Não obstante, as conclusões da Advogada Geral vão no sentido de que o facto de os consumidores finais suportarem um preço final calculado de maneira errada (por englobar um valor de IVA superior ao devido) não determina que a regularização do IVA liquidado a mais a favor do sujeito passivo (prestador do serviço) resulte num enriquecimento sem causa na sua esfera, caso tenha sido acordado um preço fixo entre as partes (i.e., independentemente da componente base tributável/IVA).

Em suma, com a referida decisão, o TJUE vem adicionar algumas clarificações à obrigatoriedade de entrega ao Estado do IVA mencionado em fatura, nos termos estabelecidos no artigo 203.º da Diretiva IVA e na alínea c), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA, reforçando a necessidade de análise da situação concreta, e respetivas consequências para o erário público.  

No plano nacional, até pelo facto de estarmos perante uma decisão recente, não temos conhecimento de qualquer posição assumida pela Autoridade Tributária ou pelos tribunais nacionais sobre o tema, posteriormente à divulgação da referida decisão do TJUE. No entanto, salientamos que, historicamente, a Autoridade Tributária tem entendido que, em situações como a exposta, não se verificando o reembolso do valor do imposto liquidado em excesso aos adquirentes, haveria obrigatoriedade da liquidação do mesmo (sem direito a qualquer regularização), por parte do sujeito passivo.

Neste sentido e com base nesta decisão do TJUE, os Serviços poderão ver-se obrigados a rever a sua posição sobre o tema, o que poderá resultar numa oportunidade para diversos sectores económicos, que lidem habitualmente com consumidores finais. 

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