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Incentivo Fiscal à Valorização Salarial um ano depois – muitas dúvidas, poucas certezas e pouco eficaz

O Incentivo Fiscal à Valorização Salarial (IFVS) visa promover o aumento dos rendimentos dos trabalhadores, destinando-se a todas as empresas que aumentem salários em linha com o acordo de competitividade e rendimentos. No entanto, são muitas as dúvidas, e poucas as certezas, na aplicação do incentivo e antecipa-se que o benefício seja pouco relevante face ao esforço financeiro exigido.

De acordo com o relatório do Orçamento do Estado (OE) para 2023, o IFVS visa promover o aumento dos rendimentos dos trabalhadores, destinando-se a todas as empresas que aumentem salários em linha com o acordo de competitividade e rendimentos. Note-se que este acordo prevê, para 2023 e 2024, uma valorização salarial de, pelo menos, 5,1% e 4,8%, respetivamente.

O IFVS consiste numa dedução ao lucro tributável correspondente a 50% dos encargos relativos a aumentos salariais de trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado, estabelecidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica (IRCT), sendo que apenas relevam encargos acima da remuneração mínima mensal garantida (RMMG), relativos a trabalhadores cuja remuneração tenha aumentado em, pelo menos, 5,1% relativamente ao ano anterior.

Ora, face à complexidade técnica deste incentivo, em setembro de 2023, foi publicado o Ofício Circulado n.º 20260/2023, através do qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procurou esclarecer diversas dúvidas. Dos esclarecimentos prestados, as dúvidas relacionadas com o cumprimento dos requisitos propriamente ditos foram, em certa medida, clarificadas. No entanto, revelaram-se claramente insuficientes os esclarecimentos relacionados com o apuramento do leque salarial e do próprio benefício.

Por exemplo, continua a não ser claro como se apura a % de aumento e o benefício propriamente dito no caso de trabalhadores que estão ausentes (e.g.: baixa, licença parental, etc.) durante parte do ano. Arriscamo-nos a referir que a grande novidade foi a definição de leque salarial, o qual difere substancialmente da redação da lei em vigor para 2023 - “rácio entre a parcela da remuneração fixa anual dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela da remuneração fixa anual dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total, apurada no último dos períodos de tributação em causa.” – e a extensão do conceito de IRCT à portaria de extensão.

Assim, quando se previa que a Lei do OE para 2024 viesse simplificar o regime, as alterações foram parcas, centrando-se, sobretudo, na alteração de alguns requisitos. De facto, a partir de 1 de janeiro de 2024: (i) deixa de ser obrigatório que os aumentos salariais sejam determinados através de um IRCT dinâmica, sendo o aumento mínimo de 5%; (ii) o leque salarial deverá ser calculado através do rácio acima referido; (iii) passam a ser elegíveis para o benefício os encargos incorridos com membros de órgãos sociais; e (iv) estabelece-se que, em 2023 e 2024, é suscetível de integrar o conceito de IRCT a portaria de extensão e a portaria de condições de trabalho.

Entretanto, em março deste ano, foram publicadas duas fichas doutrinárias, através das quais a AT repete, sobretudo, os esclarecimentos que já havia providenciado no âmbito do Ofício Circulado acima mencionado, acrescentando apenas o seu entendimento, para efeitos de apuramento do leque salarial, quanto a situações de cedência ocasional de trabalhadores e de contratos de pluriemprego. Além disso, confirma que os trabalhadores que tenham iniciado funções em 2023 não concorrem para o benefício e, no que respeita a trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato de trabalho a termo, cujo contrato seja convertido em contrato sem termo, apenas serão de considerar os aumentos que respeitem a remunerações pagas ao abrigo de contrato sem termo.

Posto isto, passado um ano da introdução do incentivo, conclui-se, desde logo, que, ao contrário daquele que é o seu propósito, nem todas as empresas que aumentem salários em linha com o acordo de competitividade e rendimentos poderão aproveitar deste incentivo (em 2023, +5,1%), pois só os aumentos acima do aumento da RMMG (+7,8%) relevam para efeitos deste incentivo.

Por outro lado, perante as dúvidas e as poucas certezas relacionadas com o apuramento do leque salarial e do benefício propriamente ditos, para os quais os esclarecimentos se mostram insuficientes, a par do esforço financeiro que implica para as empresas estabelecer aumentos salariais acima da RMMG relevantes, parece-nos pouco provável que esta medida se revele um incentivo efetivo e suficiente para as empresas repensarem a sua política de aumentos salariais, com implicações no longo prazo, sob pena de colocar em causa a viabilidade da própria atividade e manutenção do nível de emprego.

Dito isto, a solução para que o IFVS sirva, de facto, o seu propósito terá necessariamente de passar por repensar o nível de aumento salarial efetivamente imposto pelo incentivo (que como vimos pode ser bastante superior a 5,1%) e simplificar a fórmula de cálculo.

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