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Controvérsia em matéria de preços de transferência num contexto post-BEPS: preparados para a turbulência que aí vem?

Nunca, como nos tempos atuais, a comunidade de especialistas fiscais de preços de transferência foi tão prolífera na produção de ideias, debates e reflexões sobre esta matéria, em distintos e variados fóruns, públicos e privados.

O motivo?

O novo contexto fiscal post-BEPS e as já observáveis implicações imediatas decorrentes do mesmo, no que se refere à forma como as distintas administrações fiscais têm vindo a interpretar, na prática, os novos standards marcados pelas ações 8-10 e 13 do Projeto BEPS, no contexto de inspeções tributárias focadas em preços de transferência.

Importa destacar, em primeiro lugar, que existe um número cada vez maior de países nos quais estas inspeções começam a extravasar os aspetos puramente domésticos que resultam da aplicação estrita da normativa local, começando a incluir uma perspetiva multi-jurisdicional decorrente do maior acesso a informação de natureza global (por exemplo, Country-by-Country Report). Esta tendência reforçar-se-á, seguramente, pela expectável crescente colaboração entre administrações fiscais em processos de inspeção de preços de transferência (note-se, a este propósito, os recentes trabalhos levados a cabo pelo European Joint Transfer Pricing Forum da Comissão Europeia nesta matéria: “A coordinated approach to transfer pricing controls within the EU”, de outubro de 2018).

Esta “internacionalização” dos processos de inspeção de preços de transferência reforça e eleva o papel (e os deveres) dos responsáveis fiscais locais de cada grupo multinacional (MNE), na medida em que estes terão, forçosamente, que ser agentes ainda mais ativos (e proativos) na gestão global dos riscos fiscais das suas organizações, porquanto se antecipam cada vez mais processos de litigância fiscal local despoletados por inspeções iniciadas noutras jurisdições (o vice-versa aqui seria redundante…). Neste sentido, o maior ou menor “apetite” de uma determinada administração fiscal local para apreciar criticamente esquemas de preços de transferência em contextos de inspeções deve servir cada vez menos de “barómetro” único para medir e antecipar o risco real a que uma determinada entidade de um MNE se enfrenta, em matéria de preços de transferência, na jurisdição correspondente em que se localiza.

Em segundo lugar, tem-se verificado uma crescente sofisticação, por parte das administrações fiscais, na abordagem aos aspetos técnicos mais relevantes, em questões relacionadas com a substância económica das atividades, com a gestão e o controlo dos principais riscos do negócio e com as funções mais relevantes associadas aos principais intangíveis das MNE (entre outros), configurando-se estes como importantes fatores que contribuem para uma evolução do entendimento do conceito de “criação de valor”, proporcionando um novo marco referente com consequências diretas ao nível da interpretação do “princípio de plena concorrência”. Neste sentido, verifica-se claramente uma evolução de um controlo incidente sobretudo em aspetos puramente valorativos (quantificação de uma transação), para um controlo mais amplo que incide no contexto económico da transação em sentido vasto, em todas as suas dimensões relevantes. Esta nova realidade parece vir a marcar uma rutura com as abordagens técnicas clássicas seguidas em inspeções fiscais de preços de transferência, criando novos e complexos desafios para os principais atores envolvidos no mundo da fiscalidade.

Como corolário desta nova dinâmica, o contexto atual (e o que se antecipa para o futuro) torna imperioso que os responsáveis fiscais reflitam sobre as suas estratégias de defesa de preços de transferência e procedam às correspondentes alterações de rumo que lhes permitam “navegar mais tranquilamente as turbulentas marés que se avizinham”.  

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