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Administração Fiscal 3.0: A construção da Autoridade Tributária do futuro

A criação de uma Autoridade Tributária ágil e interligada com os sistemas e ferramentas digitais usados no dia-a-dia pelos contribuintes é fundamental para uma organização mais eficiente, mais capaz de garantir conformidade e evitar a fraude.

No final de 2020, a OCDE publicou um relatório intitulado “Tax Administration 3.0: The Digital Transformation of Tax Administration” cujo objetivo foi estabelecer a visão e as competências fundamentais para o desenvolvimento de uma administração fiscal do futuro (ou seja numa versão 3.0).

Ressalta-se a importância deste tema, no momento presente, por três razões, uma é que tipicamente os governos tendem a seguir orientações da OCDE nestas matérias e, apesar de por agora ainda não ter sido definido nenhum modelo normativo de referência, o relatório estabelece as linhas para a sua construção. A segunda, é porque estamos a vivenciar uma transformação digital global (do lado das empresas, cidadãos e governos) e à qual as Autoridades Tributárias não podem ficar indiferentes. A terceira será o contexto de apoios e estímulos financeiros à economia, onde a estratégia de modernização e digitalização da administração pública ocupa um lugar primordial.

Genericamente, a visão para a Administração Fiscal 3.0 passa por adequar e interligar os processos e sistemas existentes na máquina fiscal com os sistemas e ferramentas digitais, que são cada vez mais usados por empresas, cidadãos e governos no seu dia-a-dia, de forma a apurar o evento (transação), em tempo real ou próximo do tempo real, com o mínimo de intervenção por qualquer uma das partes.

Esta interligação com os sistemas e ferramentas digitais utilizadas pelos contribuintes, denominados pela OCDE como “sistemas naturais” (onde no fundo os contribuintes gerem os vários eventos da sua vida e realizam as diversas operações sujeitas ou não a imposto), pode ser vista a título de exemplo, numa “versão 2.0”, e em Portugal, através da utilização da necessidade de utilização de software de faturação certificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com a respetiva comunicação mensal do ficheiro normalizado (SAF-T), extraído do respetivo software.

A evolução para a “versão 3.0” poderá passar, e utilizando o exemplo anterior, pela obtenção dos dados diretamente do software de faturação certificado em tempo real, cujo propósito sirva para em conjunto com outros dados (p.ex. de compras) e integração com outros sistemas (p.ex. sistema bancário) o apuramento e liquidação de forma automática do IVA devido.

Utilizando o exemplo acima às várias áreas de atuação da AT, a OCDE perspetiva uma Administração Fiscal, mais eficiente, mais capaz de garantir conformidade e evitar a fraude e o potencial para reduzir o Tax Gap.

O exercício realizado pela OCDE neste relatório pode ser realizado, desde já pelas várias Autoridades Tributárias nos seus contextos específicos, sendo que o passo inicial passa pelo desenho da jornada de cada segmento de contribuinte (p.ex. Pequenas e Médias Empresas nacionais, Multinacionais, etc,..), analisando que sistemas e ferramentas digitais usam no seu dia-a-dia, de forma a conceber a melhor abordagem de desenvolvimento da Administração Fiscal 3.0. É a partir da conceptualização das jornadas que podem ser analisados os desafios existentes e identificar oportunidades de desenvolvimento ao nível de processos e sistemas digitais da AT.

Voltando ao exemplo acima referido, e usando uma jornada de uma Pequena e Média Empresa, a AT pode analisar que tipo de dados e comunicações com outros sistemas já existem hoje nos softwares de contabilidade e faturação e perspetivar que tipo de capacidades podem ser adicionadas de forma a interligar com os seus sistemas para, de forma automática (sem intervenção das partes), apurar, calcular e liquidar cada tipo de imposto.

O desenho das novas capacidades para a AT tem também impacto ao nível dos processos de auditoria e de relação com os contribuintes, ou seja, e usando novamente o exemplo anterior, não só a auditoria poderia ser automatizada, como o relacionamento poderia passar também para uma relação bipartida, ou seja, tanto diretamente com o contribuinte, como com o produtor de software de contabilidade e faturação.

A conceptualização das jornadas permite também perspetivar e antecipar o que seria esperado dos vários stakeholders e alargar o debate das iniciativas à sociedade. No exemplo anterior, seria fundamental obter os contributos dos produtores de software de contabilidade e faturação para a adaptação dos seus sistemas à lei Portuguesa e realizar a respetiva interligação com a AT.

Neste relatório, a OCDE preconiza 6 competências fundamentais para o desenvolvimento da Administração Fiscal 3.0, a saber:

  • Identidade Digital: Identificação segura de todos os contribuintes e acesso e integração com os seus “sistemas naturais”;
  • Pontos de contato: Capacitar o contacto com os contribuintes através dos seus “sistemas naturais”, reduzindo a interação direta e maximizando as capacidades da automação de sistemas;
  • Gestão de dados: Utilização de uma arquitetura de dados normalizada e comum a todos os processos de forma a garantir eficácia no acesso, tratamento e gestão da informação;
  • Gestão de regras e aplicações/ sistemas: Disponibilização de regras e de standards aplicacionais que permitam os contribuintes, adequarem os seus sistemas e ferramentas digitais à jurisdição onde se encontram presentes;
  • Recursos humanos: A digitalização de processos requererá recursos humanos menos focados em tarefas repetitivas e mais focados em tecnologia e processos;
  • Governação: Existirá a necessidade de implementar um modelo de governação para a interligação de sistemas (tanto nacional como internacional).

A par do desenho das jornadas, existem já hoje algumas práticas que podem ser seguidas pelas Autoridades Tributárias e que possibilitam o início da construção de uma Administração Fiscal 3.0. Citando dois exemplos ou sugestões que servem de contexto, e que podem ser rapidamente implementados na AT em Portugal:

  • A Autoridade Tributaria Espanhola desenvolveu um ChatBot (Assistente Virtual com inteligência artificial) que dá resposta aos contribuintes sobre as regras e dúvidas em matéria de IVA. Os contribuintes podem fazer perguntas em linguagem natural e obtém respostas em tempo real (24/7), de forma consistente. O Chatbot fornece informações sobre cadastro, retificações, obrigações relacionadas, exigibilidade, valor tributável, isenções e deduções, etc… Esta iniciativa permitiu automatizar uma grande parte das interações humanas que existiam com a Autoridade Tributária Espanhola.
  • Ao nível da automatização do cálculo do IVA, e já presente em algumas Autoridades Tributárias, a evolução para um ficheiro SAF-T (PT) que contemple também as compras, para além das vendas mensais, permitiria a automatização parcial do apuramento da declaração periódica do IVA que é uma das obrigações que mais esforço acarreta para os contribuintes empresariais pela sua ocorrência mensal.

Existem diversos exemplos, que doravante vamos publicar, de forma a servir de mote e discussão para uma Administração Fiscal 3.0. sendo fundamental iniciar este exercício através da conceptualização das jornadas e a realização de benchmarking do que já é praticável pelas Autoridades Tributárias a nível internacional.

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