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A relação entre os sujeitos passivos de IVA não residentes e a AT, que futuro esperar?

No processo n.º 810/2022-T, o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pronunciou-se acerca das regras do IVA na inversão do sujeito passivo prevista pela alínea g), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA, num caso que requereu uma análise exaustiva e cujo resultado final acabou por surpreender.

No acórdão referente ao processo nº 810/2022-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), verificamos um litígio entre um registo de IVA Português com sede no Luxemburgo (sujeito passivo) e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), quanto à aplicação da regra de inversão do sujeito passivo para efeitos de IVA, prevista na alínea g), do nº 1, do artigo 2.º do Código deste imposto.

A este respeito, e no âmbito de uma inspeção tributária, cujo seu término ocorreu em 2021, resultaram correções por parte da AT ao sujeito passivo, relativas às prestações de serviços por este realizadas nos anos de 2017, 2018 e 2019, ao seu único cliente, uma entidade estabelecida em território nacional, as quais foram objeto da regra de IVA da inversão do sujeito passivo.

Desde logo, o principal motivo de controvérsia no presente acórdão, assentou no facto de a AT considerar que as prestações de serviços realizadas não cumpriam os requisitos necessários para a aplicação da inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil, pois considerou a ausência de um elemento essencial “o imóvel”.  

As faturas que haviam sido emitidas pelo sujeito passivo, correspondiam, de forma genérica, a serviços com instalações de equipamentos. Nestes documentos, não foram incluídos quaisquer montantes de IVA, e mencionam em língua inglesa que não há lugar a liquidação de imposto, por aplicação dos artigos 34.º e 194.º da Diretiva IVA 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006.    

Neste âmbito, o próprio sujeito passivo, em sede graciosa, deduziu oposição, procurando demonstrar que as prestações de serviços em causa, diziam respeito a serviços de construção civil, tendo acrescentado que, em última instância e mesmo que a AT fosse capaz de provar que tais serviços não consubstanciassem serviços de construção civil, tais correções seriam igualmente infundadas, na medida em que, neste caso, a operação aproveitaria igualmente da regra da inversão, mas desta feita, pela aplicação do normativo previsto na alínea g), do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA.   

Resulta, pois, da análise da AT, que a regra de inversão do sujeito passivo não se poderia aplicar no caso dos serviços de construção civil (pela ausência do elemento essencial “o imóvel”), nem pelo normativo da alínea g), do nº 1 do artigo 2.º do Código do IVA, por se tratar de um sujeito passivo de IVA registado em Portugal, argumentando que a situação em apreço não tem acolhimento. Acrescentou ainda a AT, que mesmo que estivessem verificados os requisitos para aplicação da inversão do sujeito passivo, as faturas, deveriam ter expressamente mencionado o termo “IVA-autoliquidação”, pelo que, na ausência desta menção, já não poderia nesta fase justificar a sua aplicação.

Certo é que, o sujeito passivo deduziu impugnação judicial junto do CAAD, inconformado que estava perante o insucesso obtido em fase administrativa.

Assim, coube ao CAAD julgar o presente caso, visando esclarecer qual deveria ser a incidência subjetiva de IVA em prestações de serviços localizadas em Portugal, realizadas por sujeitos passivos apenas registados em IVA em Portugal, isto é, sem sede, estabelecimento estável, domicílio ou representante fiscal neste país, a adquirentes que sejam sujeitos passivos deste imposto, i.e. validar quanto à possibilidade de se aplicar a alínea g), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA nas operações que o sujeito passivo realizou.

Resumidamente, para aplicação da supra referida norma, o CAAD conclui que é necessário a verificação de duas condições: i) O prestador é um sujeito passivo de IVA que não tem sede ou estabelecimento estável em território nacional e ii) O adquirente é sujeito passivo devedor de IVA em Portugal.

Da primeira condição, vem o CAAD atestar que o sujeito passivo é apenas um mero registo de IVA sem estabelecimento estável em território nacional. Assim, e recorrendo-se do artigo 11.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, de 15 de Março 2011, justifica que um mero número de identificação fiscal IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que o sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável, conjugado ainda com o facto de não possuir um grau de suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos. Esta posição havia, igualmente, sido vertida na decisão arbitral do CAAD proferida no processo n.º 543/2018-T.

Da segunda condição, verificou o CAAD que o único cliente do sujeito passivo é uma entidade estabelecida em território nacional, tendo esta assumido o cumprimento das obrigações declarativas de IVA associadas às aludidas prestações de serviços realizadas, através da autoliquidação do imposto.

Conclui ainda o CAAD, que pese embora alguns requisitos formais das faturas emitidas não tenham sido cumpridos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia determina que quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber se os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito.

Em virtude desta análise, o CAAD concedeu razão ao sujeito passivo e considerou que as correções de IVA propostas pela AT não se revestiam de fundamento.

Não obstante, e apesar da dificuldade em avaliar o caso em apreço, o exercício conduzido pelo tribunal arbitral, não se mostraria necessário, se a AT tivesse procedido a uma avaliação exaustiva dos factos, atendendo às disposições Europeias e à jurisprudência existente sobre esta matéria.

Por fim, e um dado ainda curioso, a AT pronunciou-se sobre aplicação da regra da inversão do sujeito passivo (pela aplicação da alínea g), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA), nos seus Ofícios Circulados n.º 30213/2019, de 1 de Outubro e n.º 30235/2021, de 27 de Abril, esclarecendo que a utilização desta regra deve operar, quando verificadas as duas condições que o CAAD demonstrou. Pese embora, à data dos factos, os referidos Ofícios não estivessem ainda em vigor, não deixamos de constatar, que os argumentos da AT à data do julgamento dos factos, e com os referidos diplomas em vigor, não procuraram ir ao encontro daquela que era a sua própria posição.   

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