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A crise da habitação em Portugal não é um tema novo nem recente

Uma tempestade perfeita e duradoura, composta por um aumento significativo da procura de habitação no país na última década, impulsionado pelas condições de acesso ao crédito e a taxas de juro inexpressivas, não foi acompanhado por um equivalente aumento da oferta, colocou, em conjunto com o aumento significativo dos custos de construção, os preços no mercado residencial em valores inéditos.

A resposta à situação queria-se rápida e eficaz e centrada em estímulos à oferta de mais fogos, em especial no mercado de arrendamento e, na medida do possível, a preços acessíveis.

 

Tardou o Governo a agir e, quando o fez, apresentou um conjunto de medidas desconexas, pouco eficazes e que, em grande medida, alteravam significativamente ou revogavam regimes já sedimentados no nosso sistema, deixando em alvoroço a comunidade internacional e os investidores que ponderavam canalizar os seus fundos para o imobiliário português. Veja-se, por exemplo, a abrupta revogação do regime de “Vistos Gold”, a suspensão das licenças de Alojamento Local, acompanhada da criação de (mais uma) contribuição extraordinária, a limitação da isenção de IMT aplicável à atividade de compra de imóveis para revenda e a revogação das suspensões de IMI sobre imóveis detidos para revenda ou ainda a exclusão dos projetos de construção nova do âmbito de aplicação da taxa reduzida de 6% de IVA incidente sobre serviços de construção civil. Como primeiro impacto e ainda antes de saírem do papel, estas medidas retiraram Portugal do radar de muitos investidores, que olham agora para o setor residencial de outros países que ofereçam um enquadramento jurídico e fiscal mais atrativo, como Itália e Grécia, e espera-se que venham igualmente a ter como efeito o abrandamento da atividade de promoção imobiliária como a conhecemos.

 

Por outro lado, verifica-se que a maioria das medidas que poderiam ser classificadas como positivas, dificilmente terão um contributo significativo no cumprimento dos objetivos a que se propõem. Estas traduzem-se em grande medida em estímulos à colocação de mais fogos no mercado do arrendamento, seja através de reduções de tributação em IRS sobre rendas, da substituição do Estado aos inquilinos incumpridores ou da revisão dos procedimentos especiais de despejo e injunção em matéria de arrendamento, com as quais pretende o Governo aliciar proprietários a manterem ou redirecionarem os seus imóveis para o segmento do arrendamento. No entanto, a desconfiança crónica dos proprietários no mercado de arrendamento, em muito condicionada pela situação de vulnerabilidade em que os mesmos têm permanecido, designadamente em matéria de cobrança coerciva de rendas e despejo de inquilinos incumpridores, bem como pelas recentes medidas de entrave ao aumento de rendas, incluindo na celebração de novos contratos, poderão retirar os efeitos práticos daqueles incentivos e apenas vir a beneficiar os incumbentes que, praticando já preços elevados, não decidam abandonar o segmento do arrendamento. Espera-se que este programa possa mesmo ter o efeito inverso ao desejado, sendo já conhecidas estatísticas que revelam que um número significativo de senhorios pretende retirar as suas casas do mercado de arrendamento e que uma grande parte procedeu já à denuncia de contratos ou à revisão extraordinária de rendas, claramente mostrando um cartão vermelho à estratégia do Governo.

 

Interessante poderá ser o programa de aliança público-privada que o Governo pretende estabelecer com a criação de um pacote de estímulos ao arrendamento a preços acessíveis, o qual tem por base a cedência a particulares do direito de superfície de terrenos e imóveis públicos por um período de 90 anos, para desenvolvimento de habitações a afetar a arrendamento acessível durante pelo menos 25, bem como uma linha de financiamento garantida e bonificada. Prevê-se ainda o alargamento dos incentivos fiscais ao segmento, com novas isenções de IMT e IMI e taxas reduzidas de IVA na construção, na tentativa de viabilizar financeiramente os projetos imobiliários a montante e a atrair grandes investidores institucionais. Ainda que pudesse ter ido mais longe, este é um pacote que, pelo menos no papel, marca pela positiva este programa. No entanto, o respetivo sucesso dependerá em muito da sua execução prática, e em especial da capacidade do Estado em disponibilizar aos privados, de forma célere, transparente e desburocratizada imóveis de qualidade e dimensão adequadas ao problema que se pretende combater. Crucial será igualmente a estabilidade que os diversos Governos consigam atribuir ao programa, que será fundamental para atrair novos investidores.

 

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