Opinião

A taxa reduzida do IVA na construção de habitação – o que falta saber?

Tanto quanto é do conhecimento público, o Conselho de Ministros aprovou, em setembro passado, um conjunto de medidas para promover a oferta e o acesso à habitação, no âmbito do Programa Construir Portugal, que têm como objetivo dinamizar e reforçar a oferta de habitação.

Uma dessas medidas, que em princípio terá carácter temporário, é a aplicação da taxa reduzida do IVA de 6% na construção de habitações para venda a preços moderados ou para arrendamento a rendas moderadas. Esta medida pretende reduzir o valor do custo do IVA incorrido no desenvolvimento de projetos imobiliários habitacionais, o qual é repassado no preço final das habitações. A forma como a mesma possa garantir o resultado pretendido é naturalmente discutível, pois tal depende, desde logo, de um conjunto de políticas mais alargado cuja análise e comentário merecem uma abordagem mais detalhada. Porém, quanto à aplicação, em concreto, da nova taxa reduzida na construção de habitações, o que se conhece da informação veiculada pela comunicação social é que a mesma está condicionada a vendas até €648.000 ou arrendamentos mensais até €2.300.

Decorridos três meses, as expetativas aumentam, mas também aumenta a incerteza quanto ao momento e às condições e procedimentos para a aplicação desta medida, com inevitável impacto na gestão dos projetos imobiliários vocacionados para o parque habitacional, em particular, para aqueles que se encontram atualmente em curso.

Neste contexto, notícias mais recentes confirmam que o Governo propôs garantir a retroatividade da entrada em vigor do IVA a 6% na construção, algo que, ainda que esteja no plano das intenções, revela o propósito de colmatar as consequências resultantes do atraso na implementação de uma medida há tanto esperada. Em todo o caso, questiona-se como é que o Governo pretende atribuir um carácter retroativo da entrada em vigor da taxa reduzida do IVA, quando, de acordo com o Código do IVA, a taxa a aplicar é a vigente no dia em que a exigibilidade do imposto se verifique – que, regra geral, deverá corresponder à data da emissão da fatura (assumindo que a mesma foi emitida dentro do prazo legal para o efeito). Sem prejuízo da dúvida legítima, a verdade é que, no passado, já vimos ser aplicada a produção de efeitos retroativos, por exemplo, à isenção do IVA na transmissão de bens destinados ao combate à COVID-19, em que esta aplicou-se a operações realizadas antes da entrada em vigor da Lei que a estabeleceu temporariamente. Neste sentido, esta opção pode ser efetivamente uma opção viável e replicada no caso da nova taxa reduzida do IVA na construção de imóveis para habitação. Porém, a mesma será sempre condicionada pelos limites temporais previstos no Código do IVA em matéria de procedimentos retificativos de recuperação deste imposto – o que, em princípio, não deverá ultrapassar dois anos.

No que respeita ao facto de a aplicação da taxa reduzida na construção de habitações estar condicionada a vendas até €648.000 ou arrendamentos mensais até €2.300, levantam-se inúmeras dúvidas e incertezas. Por exemplo, questiona-se se este condicionalismo de preço na venda ou arrendamento da habitação pode, ou não, potenciar uma distorção de concorrência com operações que atualmente estão sujeitas à taxa reduzida, como é o caso da reabilitação de edifícios prevista pela atual redação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, da reabilitação urbana prevista pela anterior redação da verba 2.23 (e que se mantém para um conjunto ainda alargado de projetos, por conta da norma transitória prevista na Lei “Mais Habitação”, os quais podem abarcar construção) e das obras de reparação e renovação em residências particulares previstas na verba 2.27. Ora, se na reabilitação de edifícios está excluída a construção nova, na reabilitação urbana estão excluídas operações não contempladas em ORU devidamente aprovada (condição que foi reconhecida pelo acórdão uniformizador do STA de março de 2025) e nas obras de reparação e renovação em residências particulares estão excluídos imóveis devolutos para revenda ou arrendamento, significa então que a nova taxa reduzida vai apenas abarcar as realidades excluídas das anteriores verbas? Irá limitar-se esta taxa à primeira venda ou ao primeiro arrendamento após construção? E se assim for, em que medida a construção no âmbito de uma reabilitação urbana com IVA a 6% – que funciona sem condicionalismos de preço – pode coexistir com uma nova taxa reduzida de uma construção de habitação para venda ou arrendamentos de preços condicionados? E que tipo de distorções de concorrência tal situação pode determinar no mercado? Mas as perguntas e preocupações não se ficam por aqui…

Por outro lado, questiona-se o funcionamento da aplicação da nova taxa reduzida. Pois se a mesma vai depender de condições que só o dono da obra poderá determinar, então significa que este, em qualquer circunstância – mesmo sendo um sujeito passivo exclusivamente isento – vai passar a assumir a obrigação de entrega do IVA ao Estado (através de uma extensão do regime de inversão do IVA na aquisição de serviços de construção civil)? Neste contexto, questiona-se, igualmente, qual o momento em que se efetiva a taxa reduzida? Quanto a esta dúvida, tendo em conta que a taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível – ou seja, quando o empreiteiro fatura (dentro do prazo legal para o efeito) os seus serviços –, não será razoável que o legislador determine, por exemplo, a aplicação da taxa de 23% nesse momento e, posteriormente, com a venda do imóvel pelo preço elegível para se aplicar a taxa de IVA de 6%, autorize o ajustamento do diferencial do imposto a favor do sujeito passivo. Como tal, espera-se que a taxa de IVA a 6% se aplique no momento em que o empreiteiro fature os seus serviços ao dono da obra.

Nesta fase, em que desconhecemos o detalhe das condições que permitirão a aplicação da nova taxa de IVA na construção de habitação, resta-nos esperar que o legislador tenha a consciência de que, quando a intenção é conceder um benefício, os seus condicionalismos não podem padecer de falta de clareza, sob pena de os operadores e o mercado, em geral, ficarem reféns de interpretações da AT que inviabilizem a concretização e a finalidade desse benefício (como sucedeu, por exemplo, com as condições previstas na anterior verba 2.23 referente à reabilitação urbana).