A crescente digitalização da economia e a ascensão dos criptoativos vieram desafiar os mecanismos tradicionais de troca de informações fiscais e de fiscalização na União Europeia. Neste contexto, a Diretiva (UE) 2023/2226 do Conselho, de 17 de outubro de 2023, conhecida como DAC8, representa uma ambiciosa revisão do quadro europeu de cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, alargando o perímetro da troca automática de informações para incluir os prestadores de serviços de criptoativos e reforçando, em simultâneo, as obrigações já existentes para as instituições financeiras reportantes ao abrigo do regime do CRS.
A DAC8 nasce da necessidade de combater a fraude, evasão e elisão fiscais num mercado cada vez mais global e digital, onde a natureza descentralizada dos criptoativos dificulta o controlo e fiscalização por parte das autoridades fiscais. Inspirada no quadro internacional da OCDE e alinhada com o regulamento europeu MiCA, a DAC8 exige que os prestadores de serviços de criptoativos a operar na União Europeia recolham, verifiquem e comuniquem às autoridades fiscais um conjunto detalhado de informações sobre os seus utilizadores sujeitos a comunicação e as respetivas transações realizadas. O objetivo é garantir que todas as operações que envolvam criptoativos — sejam trocas entre criptoativos e moeda fiduciária, transferências para carteiras externas ou pagamentos de retalho de valor significativo — fiquem sob o escrutínio das administrações fiscais dos Estados-Membros.
Importa sublinhar que a DAC8 não se limita ao universo dos criptoativos. A Diretiva introduz alterações relevantes ao regime do CRS, aplicável às instituições financeiras “tradicionais”. Entre as principais novidades, destaca-se a introdução de novos campos de informação obrigatória nos ficheiros de reporte anual às autoridades fiscais, permitindo evidenciar, de forma mais robusta, os procedimentos de diligência devida adotados pelas instituições financeiras reportantes. Destaca-se ainda a ampliação dos conceitos de “conta financeira” e de “instituição financeira reportante”, de modo a abranger produtos financeiros digitais que representam alternativas credíveis à detenção de dinheiro e de outros ativos financeiros através de contas já abrangidas pelo CRS.
Os Estados-Membros da União Europeia devem transpor a DAC8 até 31 de dezembro de 2025, com o primeiro reporte de informação relativo a criptoativos a ocorrer já em 2026. No entanto, em Portugal, a transposição da DAC8 permanece por concretizar, a escassos meses do termo do prazo legal.
Apesar da ausência de legislação nacional, as instituições portuguesas não devem adiar a sua preparação. A experiência recente — nomeadamente com o regime do CRS — demonstra que a adaptação a novas obrigações de reporte fiscal exige tempo, investimento em tecnologia, revisão de processos e procedimentos, e formação das equipas.
Assim, os prestadores de serviços de criptoativos devem, desde já, avaliar cuidadosamente se estão abrangidos pelo novo regime, realizando uma análise de gaps para identificar em que medida os procedimentos, processos e sistemas atualmente implementados permitem dar resposta às obrigações introduzidas pela DAC8. É igualmente fundamental que verifiquem se a documentação atualmente recolhida e mantida relativamente aos seus clientes é suficiente para cumprir as exigências de reporte que passarão a ser aplicáveis, assegurando que eventuais lacunas sejam colmatadas atempadamente e que a transição para o novo quadro regulatório decorra de forma eficiente e sem sobressaltos.
As instituições financeiras reportantes, por sua vez, devem adaptar os seus procedimentos de reporte de informação, garantindo que são capazes de capturar toda a nova informação de comunicação obrigatória e, simultaneamente, rever o inventário de produtos que comercializam, de modo a assegurar que todas as realidades abrangidas pela obrigação de comunicação ao abrigo do CRS estão efetivamente cobertas pelos processos e procedimentos implementados.
A DAC8 representa, assim, um novo paradigma de transparência fiscal na era digital, impondo desafios significativos, mas também oportunidades para reforçar a confiança no mercado europeu de criptoativos e consolidar a posição de Portugal como jurisdição de referência em matéria de compliance fiscal. O tempo para agir é agora: a preparação atempada é a única forma de garantir uma transição tranquila para o novo quadro regulatório.
