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Tributação no século XXI: o que as multinacionais podem esperar quando investirem na União Europeia

No passado dia 18 de maio, a Comissão Europeia publicou a Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a Fiscalidade das Empresas no século XXI¹. Esta Comunicação deixa antever a implementação de um conjunto ambicioso de medidas no panorama fiscal internacional, com impacto em Portugal.

O documento delineia a visão a curto e longo prazo da Comissão, de modo a consagrar um regime de tributação empresarial justo e sustentável na União Europeia (“UE”) e apoiar a recuperação económica no seguimento da pandemia da Covid-19.

Neste âmbito, a Comissão reitera o empenho da UE no “acordo global” no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”) para uma reforma fiscal global, que deverá ficar concluído até meados deste ano. O projeto BEPS 2.0 da OCDE foca-se em dois pilares: (1) a realocação parcial dos direitos de tributação; e (2) a tributação mínima efetiva dos lucros de grupos multinacionais.

O primeiro pilar tem como objetivo adaptar as regras internacionais de tributação dos lucros das sociedades a uma economia cada vez mais globalizada e digitalizada, nomeadamente à atual capacidade das empresas de desenvolverem os seus negócios sem qualquer presença física nos territórios onde geram rendimentos. Com este intuito, prevê a atribuição de direitos de tributação, através de uma fórmula a definir, às jurisdições onde se encontram os consumidores / utilizadores. Por outro lado, o segundo pilar visa assegurar que os lucros das empresas multinacionais são sujeitos a um nível mínimo de tributação efetiva, diminuindo assim oportunidades de evasão fiscal.

Neste contexto, é relevante mencionar o acordo histórico alcançado, no passado dia 5 de junho, pelos ministros das Finanças do G7 (que junta sete das oito maiores economias do Mundo – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão, Reino Unido e União Europeia), para que as multinacionais sejam sujeitas a uma taxa mínima de imposto sobre os lucros de 15%, garantindo assim que pagam uma percentagem justa de imposto. As regras aplicar-se-ão a empresas globais com uma margem de lucro de pelo menos 10%, enquanto 20% do lucro acima de 10% será realocado e sujeito a imposto nos países onde os rendimentos são obtidos2.

Uma vez alcançado, a Comissão propõe implementar o “acordo global” por meio de Diretivas (as quais terão de ser transpostas para os ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros), que deverão implementar os dois pilares referidos, com os ajustamentos necessários.

Na sua Comunicação, a Comissão reflete ainda sobre o impacto da introdução destas medidas nas disposições europeias em vigor, designadamente sobre a necessidade de assegurar a compatibilização entre as regras de imputação de resultados (“Controlled Foreign Companies” / “CFC”), estabelecidas no âmbito da Diretiva ATAD I, e a principal regra a introduzir no âmbito do segundo pilar – “Income Inclusion Rule” (“IIR”). Além disso, a Comissão propõe que a implementação do segundo pilar seja feita com base nos critérios utilizados para a avaliação de países terceiros não cooperantes em matéria fiscal, como forma de incentivar a adesão destes às medidas propostas, e antecipa que a mesma abra caminho para a aprovação da proposta pendente de reformulação da Diretiva Juros & Royalties (“DJ&R”), cujo objetivo consiste na atribuição de benefícios no Estado da fonte em função da tributação dos juros e royalties no Estado de destino.

É igualmente definida uma agenda fiscal concreta para os próximos dois anos, baseada no audacioso roteiro estabelecido no Plano de Ação apresentado pela Comissão em julho de 2020, com medidas que promovam uma tributação equitativa, o investimento produtivo e o empreendedorismo.

Neste enquadramento, é agendada uma proposta legislativa até 2022, baseada na metodologia em discussão para o segundo pilar, que estipule a obrigação, para certas grandes empresas que operam na UE, de publicar as taxas de imposto efetivamente aplicáveis (“Effective Tax Rates” / “ETR”), com vista a incrementar a transparência pública (Ação 1).

Até ao final de 2021, deverá ser apresentada uma proposta que combata a utilização abusiva de empresas fictícias, através do estabelecimento de regras contra a evasão fiscal (Ação 2). Para tal, preveem-se o reporte obrigatório de informação às administrações tributárias que permita aferir o grau de substância e atividade económica real das empresas, a negação de benefícios fiscais às empresas “de fachada” e o estabelecimento de requisitos de monitorização e transparência fiscais.

Em simultâneo com a Comunicação, a Comissão apresentou uma recomendação sobre o tratamento nacional dos prejuízos fiscais, sugerindo aos Estados-Membros que autorizem o reporte de prejuízos para trás, pelo menos relativamente aos resultados do período de tributação anterior (Ação 3). Isto irá permitir às sociedades que eram rentáveis antes da atual pandemia compensarem os prejuízos entretanto apurados em 2020 e 2021, beneficiando, em particular, as pequenas e médias empresas.

Outra das medidas referidas, cuja proposta deverá ser finalizada até ao final do 1.º semestre de 2022, é a criação de uma medida (“Debt-Equity Bias Reduction Allowance” / “DEBRA”) que permita contrariar o atual sistema de tributação que trata de forma mais favorável o financiamento por dívida quando comparado com o financiamento por capitais próprios, incentivando este último (Ação 4).

Até 2023, a Comissão irá apresentar a iniciativa “Business in Europe: Framework for Income Taxation” (“BEFIT”), enquanto conjunto único de regras de tributação das empresas na UE. O BEFIT permitirá consolidar, numa única base tributária, os lucros das entidades residentes na UE e pertencentes a um grupo multinacional, a qual será alocada aos Estados Membros através de uma fórmula a definir e tributada de acordo com as respetivas taxas nacionais de imposto. O uso desta fórmula permitirá reduzir os encargos administrativos (nomeadamente, a aplicação das regras complexas de preços de transferência), eliminar os obstáculos fiscais e criar um ambiente mais favorável às organizações no mercado único. Esta iniciativa irá substituir a proposta sobre a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (“Common Consolidated Corporate Tax Base” / “CCCTB”), divulgada em 2011, melhor refletindo o atual panorama internacional e as mudanças económicas inerentes à globalização.

A Comissão declara ainda que irá lançar uma reflexão mais ampla sobre o futuro da fiscalidade na UE, que culminará num simpósio fiscal sobre o modelo fiscal da UE para 2050 (“EU tax mix on the road to 2050”).

Espera-se que os Estados-Membros iniciem conversações sobre as medidas aludidas na Comunicação ainda antes de a Comissão apresentar as suas propostas legislativas, proporcionando uma primeira visão sobre as alterações subjacentes à sua adoção. Esta evolução deverá ser devidamente acompanhada pelos contribuintes, de forma a avaliar o real impacto nos seus negócios na UE, podendo inclusive tornar-se recomendável revisitar as estruturas existentes, a fim de se verificar o cumprimento das normas futuras e mitigar (ou, se possível, eliminar) a potencial carga tributária adicional.

 

 

¹ https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/default/files/communication_on_business_taxation_for_the_21st_century.pdf

² https://www.gov.uk/government/publications/g7-finance-ministers-meeting-june-2021-communique/g7-finance-ministers-and-central-bank-governors-communique 

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