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Tributação dos rendimentos de anos anteriores – solução à vista?

A tributação dos rendimentos produzidos em anos anteriores, em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), encontra-se prevista nos artigos 74º e 62º do Código do IRS, e tem sido, nos últimos anos, alvo de inúmeras críticas e queixas por parte dos contribuintes, nomeadamente junto do Provedor de Justiça.

De acordo com dados disponibilizados pela Provedoria da Justiça, desde 2005, este órgão do Estado recebeu mais de 150 queixas - 31 das quais no corrente ano – relativamente a este assunto.

Há uma multiplicidade de situações que podem conduzir à obtenção de rendimentos, num determinado ano, que respeitam a anos anteriores. A título meramente exemplificativo, pode suceder que o tribunal determine, no âmbito de um processo judicial, a ilicitude do despedimento e o pagamento de retribuições vencidas até ao trânsito em julgado da sentença (podendo estas respeitar a vários anos). Noutros casos, pode a entidade patronal proceder ao pagamento de retroativos relativamente ao ano(s) anterior(es). Pode ainda verificar-se, num determinado ano, o recebimento de pensões relativas a anos anteriores decorrentes do atraso na apreciação do pedido por parte do Centro Nacional de Pensões, ou por recálculo do respetivo valor.

Sempre que se obtenham, num determinado ano, rendimentos que foram produzidos em anos anteriores, esta situação é suscetível de gerar uma tributação distinta (e frequentemente mais gravosa) que aquela que existiria se os rendimentos fossem imputáveis ao(s) ano(s) em causa, em virtude da progressividade do IRS e pela subida do escalão de tributação em que normalmente os sujeitos passivos se enquadrariam. Assim, para além de os contribuintes serem prejudicados pelo atraso no recebimento das quantias que lhe são devidas, poderão ainda ser ainda penalizados com uma tributação mais gravosa que a que seria aplicável se os rendimentos fossem obtidos em cada um dos anos devidos.

Percorrendo as soluções adotadas ao longo dos anos relativamente ao tratamento dos rendimentos produzidos em anos anteriores, é possível constatar que este tratamento tem vindo a sofrer sucessivas alterações. Com efeito, até 2001, o artigo 24º do Código do IRS permitia o reporte fiscal de rendimentos ao ano ou anos em que foram produzidos, sempre que os rendimentos tivessem sido produzidos nos cinco anos anteriores, implicando a emissão de uma liquidação adicional relativa ao ano(s) em causa e o consequente recálculo do valor do imposto a pagar/receber.

Essa disposição foi, no entanto, revogada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, impondo-se, em consequência, o englobamento na declaração referente ao ano em que os rendimentos tivessem sido obtidos, dos rendimentos produzidos em anos anteriores. Esta alteração foi à data justificada pela excessiva complexidade que o reporte fiscal dos rendimentos ao ano em causa implicava para a Autoridade Tributária. Não obstante, a mesma acarretava uma tributação extremamente gravosa para o contribuinte, atento o acréscimo extraordinário de rendimentos, resultante do pagamento extemporâneo de valores que eram já devidos.

De molde a atenuar este efeito, a Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, introduziu alterações ao artigo 74º do Código do IRS passando o mesmo a prever que o valor dos rendimentos produzidos em anos anteriores seria dividido pelo número de anos ou fração a que os mesmos respeitassem, com o máximo de quatro, aplicando-se à globalidade dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no ano.

Esta alteração permitiu atenuar parcialmente o impacto na tributação, contudo, continuavam a verificar-se situações em que os sujeitos passivos eram significativamente penalizados no tratamento destes rendimentos, tendo sido inclusivamente suscitada a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 74º do Código do IRS - a qual foi, contudo, rejeitada pelo Tribunal Constitucional, conforme resulta do Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 107/2010.

Posteriormente, com a Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, a redação do artigo 74º foi novamente alterada no sentido de permitir a divisão do valor dos rendimentos de anos anteriores pela soma do número de anos ou fração a que respeitem, no máximo de seis, incluindo o ano do recebimento. E, mais recentemente, com a Reforma Fiscal de 2015, o rendimento passou a ser dividido pelo número de anos ou fração de rendimento a que respeitem, incluindo o ano do recebimento, sem qualquer limitação. Não obstante o exposto, continuavam a suceder situações em que os contribuintes eram penalizados por esta solução, sobretudo nos casos de recálculo de pensões, pagamentos de salários em atraso ou decisões judiciais.

Neste contexto, é de destacar a alteração agora introduzida ao artigo 74º do Código do IRS pela Lei nº 119/2019, de 18 de setembro, com entrada em vigor a 1 de outubro de 2019, a qual contempla, em certa medida, uma solução similar à do reporte fiscal de rendimentos previsto no anterior artigo 24º do Código do IRS. De acordo com a redação que irá agora entrar em vigor, sempre que seja possível imputar os rendimentos a anos anteriores em concreto, pode o sujeito passivo, em alternativa à divisão pelo número de anos a que respeita o rendimento, proceder à entrega de declarações de substituição relativamente aos anos em causa, com o limite do quinto ano imediatamente anterior ao do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos (sem prejuízo da divisão pelo número de anos relativamente aos restantes rendimentos, se aplicável), não sendo, contudo, esta possibilidade aplicável no caso de rendimentos litigiosos. Para este efeito, as entidades processadoras dos pagamentos devem efetuar a discriminação dos montantes respeitantes a cada um dos anos. Não obstante o exposto, o facto tributário considera-se sempre verificado no ano do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos para efeitos de contagem do prazo de caducidade.

Com esta alteração, espera-se que se venha a reduzir substancialmente o número de casos em que os contribuintes são penalizados com o recebimento dos rendimentos de anos anteriores, embora tal possa ainda vir a suceder no caso de rendimentos litigiosos (sem que seja percetível as razões para tal exclusão), sendo, no entanto, fundamental que os sujeitos passivos simulem o impacto de optarem pela entrega de declarações de substituição em alternativa à divisão do rendimento pelo número de anos a que o mesmo respeita. Até porque, no caso do IRS automático, estas situações de rendimentos de anos anteriores não estão excluídas e presumimos que será esta última, a opção que o sistema irá assumir.

De referir, por último, que são cada vez mais os casos em que os contribuintes necessitam de efetuar várias simulações a fim de assegurarem que a sua liquidação de IRS é a menos onerosa possível: tributação conjunta versus tributação separada; tributação autónoma versus englobamento dos rendimentos da mesma categoria; tributação dos rendimentos prediais na esfera da categoria B – rendimentos empresariais e profissionais – ou da categoria F – rendimentos prediais; tributação dos rendimentos da categoria B – rendimentos empresariais e profissionais ao abrigo do regime simplificado ou da contabilidade organizada (nos casos em que tal opção é possível); apenas para citar alguns casos.

Deste modo, é cada vez mais importante que os contribuintes analisem as diversas alternativas ao seu dispor, de modo a assegurar a opção pela alternativa que lhes é menos onerosa do ponto de vista fiscal.

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