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“Treaty-shopping”, “cherry-picking” fiscal ou como agastar a OCDE

Na fiscalidade, principalmente na fiscalidade internacional, são empregues vários termos que, pela sua banalização no jargão da área, muito dificilmente podem ser traduzidos para a língua portuguesa sem que se perca parte do seu impacto e simbolismo.

Um destes casos é a expressão “treaty-shopping” que consiste na utilização de mecanismos através dos quais uma pessoa ou entidade que não preenchendo, em substância, os requisitos para aplicação das convenções para evitar a dupla tributação (CDT) – mormente o conceito de residente – tenta obter, de forma abusiva, os benefícios que a CDT concederia a outra entidade que os preenchesse. A terminologia mais próxima que encontramos no português corrente seria “abuso dos tratados”.

Desde os anos 70 que a OCDE tem desenvolvido medidas de forma a combater este fenómeno, nomeadamente através da introdução de cláusulas de beneficiário efetivo na sua convenção modelo, as quais foram sofrendo aperfeiçoamentos ao longo dos anos.

No entanto, chegados à segunda década do século XXI, a OCDE constatou que os esforços envidados não eram suficientes para combater os artifícios utilizados pelos contribuintes com intuito de tirar partido destes benefícios.

Nesta senda, em 2013, a OCDE alia-se aos países do G20 e, no âmbito do plano BEPS (“Base Erosion and Profit Shifting”), desenvolve a ação 6 – prevenir a utilização abusiva das CDTs. Na sequência da divulgação da ação, as jurisdições abrangidas (quase uma centena e meia incluindo Portugal, EUA, Angola, Cabo Verde, Ilhas Caimão, Emirados Árabes Unidos) acordaram tomar medidas para colmatar os abusos cometidos. Uma das medidas basilares passou pelo compromisso de adotar um “standard mínimo” o qual implica as seguintes modificações nas suas CDTs: (i) incluir uma disposição em que as partes declaram que a celebração da CDT tem como intuito evitar a evasão fiscal e a criação de oportunidades de “treaty-shopping” e (ii) incluir uma norma anti-abuso que poderá basear-se na finalidade principal de uma transação ou mecanismo (usando outro estrangeirismo, “principal purpose test”).

A implementação deste standard mínimo poderá ser feita através da ratificação do Instrumento Multilateral (“MLI”) – que tem como efeito alterar automaticamente as CDTs abrangidas – ou através de renegociação de CDTs bilaterais.

Portugal ratificou o MLI em fevereiro de 2020 e, portanto, este standard mínimo, já está a aplicar-se a grande parte das CDTs por si celebradas.

No entanto, em abril deste ano, foi conhecido um relatório da OCDE onde se dá conta que, ainda que se tenha registado uma subida exponencial do número de CDTs que já estão em linha com o standard mínimo –  que se deve, essencialmente, à adoção do MLI por 95 países – as jurisdições que, na generalidade, não assinaram o MLI e decidiram cumprir o standard mínimo através da renegociação das CDTs, muito pouco ou nada fizeram para honrar o seu compromisso.

Assim, apesar do sucesso indiscutível das medidas tomadas pela OCDE nesta sede, o trabalho está longe de estar concluído e muito ainda falta fazer.

É caso para dizer, de boas intenções…

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