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Tratamentos diferentes para situações iguais - Uma reflexão sobre a caução

Para a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) as cauções pelo arrendamento auferidas pelos individuais são um rendimento sujeito a IRS, o que não acontece no IRC. Mas porquê? Parece que a resposta é a de sempre – “Porque sim”.

Foi publicado recentemente pela AT um Oficio Circulado que dita que aquando da celebração de contrato de arrendamento, no âmbito do qual as partes convencionem o recebimento de valores a título de antecipação de rendas e de caução, esta última configura uma renda para efeitos de IRS, no ano do seu recebimento, na medida em que o rendimento disponibilizado a título de caução se traduz num acréscimo de valor ao património de quem cede o uso ou o gozo temporário de um imóvel, com reflexos na sua capacidade contributiva no ano da disponibilização.

Ora, desde logo, parece-nos que estamos perante uma confusão de conceitos por parte da AT, senão vejamos:

  • A antecipação de rendas (prevista no n.º 1 do artigo 1076.º do Código Civil) permite ao arrendatário pagar mais do que uma renda ao senhorio, adiantando assim um pagamento que, de facto, se consubstancia num acréscimo patrimonial e num rendimento para o senhorio (motivo pelo qual faz sentido ser tributado em sede de IRS enquanto renda).
  • A caução (prevista no n.º 2 do artigo 1076.º do Código Civil) consubstancia-se numa garantia especial das obrigações, tendo associada uma finalidade de prevenção do incumprimento do contrato e eventualmente de indemnização, caso o arrendatário efetue danos na propriedade, podendo mesmo ser reembolsada no final do contrato (motivo pelo qual não faz sentido ser tributado em sede de IRS enquanto renda).

Assim sendo, parece claro e inequívoco que estamos perante situações distintas – na primeira, o montante é pago “definitivamente”, a título de renda antecipada, enquanto na segunda o montante é pago “tentativamente”, como uma espécie de “depósito”, uma vez que numa situação normal é devolvida ao inquilino quando o contrato ou a condição subjacente a essa caução deixe de existir.

De facto, a caução não se consubstancia num rendimento extra decorrente da celebração de um contrato de arrendamento, mas sim numa forma de garantir o cumprimento das obrigações desse contrato ou de salvaguardar o senhorio quanto às condições de utilização do imóvel.

Ora se assim o é, e se o princípio basilar da fiscalidade é a tributação pelo lucro real, então porquê tributar à cabeça, em sede de IRS, um montante que não se sabe à partida se é real e efetivo? É que é exatamente essa a premissa que leva a que as empresas não possam registar a caução como rendimento no momento que a recebem.

Na verdade, se no IRS parece que vale tudo para a AT, no IRC a conversa muda de figura, uma vez que em falta de previsão legislativa específica, a fiscalidade segue a contabilidade e as cauções apenas serão tributadas se e quando forem reconhecidas em resultados (ou capital próprio), ou seja, se e quando forem reconfiguradas em pagamento de rendas (deixando de ter a natureza de caução) ou se e quando forem acionadas para fazer face a danos provocados pelos inquilinos.

Em face do exposto, fica claro que o Ofício Circulado publicado pela AT vem evidenciar um sistema fiscal incoerente e inconsistente num setor em crescimento e estratégico para a economia. Mas afinal na luta pelo aumento das receitas fiscais vale tudo? Inclusivamente tratar de forma diferente situações iguais? Fica a reflexão.

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