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Sou investidor imobiliário e quero desinvestir, e agora? Fiscalidade em tempos de pandemia

É inevitável que as decisões de investimento ou desinvestimento imobiliário venham a ser repensadas nos próximos meses, incluindo o cancelamento de operações de aquisição, a reafectação da utilização de alguns ativos (sobretudo no segmento do retalho, escritórios e logística), bem como o surgimento mais acentuado de situações de desinvestimento.

Ora as decisões de desinvestimento, mandam os livros, devem ser tomadas após considerados todos os fatores que poderão impactar a taxa de retorno do investimento, dos quais se destaca obrigatoriamente o fator fiscal. Vejamos como este poderá influenciar a sua forma de investir.

O desinvestimento no setor imobiliário é frequentemente realizado através de operações a que chamamos share deals (i.e. transmissão de partes de capital), transações através das quais o investidor vende a sua participação na sociedade utilizada em Portugal para adquirir o ativo imobiliário e das quais resulta em regra a realização de um ganho, neste caso uma mais-valia. Sendo uma mais-valia gerada em Portugal, sobre a mesma pode, em regra, recair imposto português. Dependendo da dimensão do investimento e do ganho realizado, facilmente este imposto pode atingir a ordem dos milhões de euros, impactando significativamente o retorno líquido do investidor.

Sucede que a lei fiscal portuguesa de há vários anos a esta parte vem isentando de imposto as mais-valias realizadas por investidores não residentes com venda de partes sociais em sociedades residentes em Portugal, o que, à partida, é uma boa notícia. No entanto, entendeu o legislador que esta isenção não deveria ser aplicável sempre que o ativo da sociedade cujas partes socias são alienadas fosse maioritariamente constituído por imóveis situados em Portugal, o que retira da equação (isto é, do âmbito de aplicação da isenção) os investidores no setor imobiliário.

Resta então ao investidor não residente, na busca pela aplicação de um regime fiscal que se possa revelar mais favorável, a possibilidade de aplicar a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) que tenha eventualmente sido celebrada entre o seu Estado de residência e Portugal, esperando que esta vede a Portugal o direito de tributar tal mais-valia. Este é o caso da CDT celebrada por Portugal com países como o Luxemburgo, Holanda ou Reino Unido, as quais atribuem ao Estado do (des)investidor o direito exclusivo de, querendo, tributar aquele rendimento.

Aqui chegados, importa no entanto recordar as medidas que têm vindo a ser implementadas em vários Estados no âmbito da iniciativa BEPS (“Base Erosion and Profit Shifting”) levada a cabo pela OCDE as quais, no que toca às CDT, têm vindo a impor que os benefícios destes tratados apenas sejam aplicáveis aos casos em que possa demonstrar-se que a estrutura de investimento utilizada não teve como principal objetivo a obtenção de uma vantagem fiscal. É esta norma anti-abuso – o “Teste do Objetivo Principal” (Principal Purpose Test, na língua em que foi originalmente desenhado) – que vai passar a dominar as CDT celebradas por Portugal (incluindo as CDT com países como o Luxemburgo, Holanda ou Reino Unido) a partir de 1 de junho de 2020, na sequência da entrada em vigor do instrumento multilateral (conhecido por MLI) que altera simultaneamente um conjunto muito alargado da rede de CDT celebradas entre os vários países aderentes da iniciativa BEPS.

Desengane-se se pensa que esta regra anti-abuso não sairá do papel e será letra morta. Temos vindo a assistir, ainda que noutras jurisdições, a sérios escrutínios por parte das autoridades fiscais no sentido de confirmar se existem razões económicas válidas (isto é, motivações atendíveis, que não fiscais) que justifiquem a estruturação de determinados investimentos através de determinadas jurisdições e que permitam concluir que a mesma estrutura teria sido utilizada ainda que a mesma não tivesse uma específica vantagem fiscal associada. Alerta: uma nota negativa neste exame pode determinar a negação do acesso a uma CDT e a liquidação de montantes avultados de imposto sobre as mais-valias a que nos referíamos acima.

Em conclusão, a robustez das motivações económicas subjacentes a uma estrutura de investimento e a substância económica e funcional ao nível de sociedades holdings eventualmente utilizadas são elementos-chave para o sucesso deste teste.

Poderá sempre equacionar outras formas de desinvestimento como o recurso à liquidação de sociedades holdings portuguesas, quando existam, após alienação dos veículos imobiliários. Exploraremos esta possibilidade num próximo artigo. Até lá, preocupe-se tanto com o momento do desinvestimento como com o do investimento. Pode ser determinante na taxa de retorno do seu projeto.

 

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