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Reinvestimento e mais-valias na venda de habitação própria e permanente – “O diabo está nos detalhes”?

No contexto do atual dinamismo do mercado imobiliário, muitos são os que têm aproveitado o momento para realizarem mais-valias na venda dos imóveis onde mantém a sua habitação própria e permanente, concretizando o reinvestimento (antes ou depois, como veremos) na aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim.

Por forma a obviar à tributação destes ganhos, e por se entender que a tributação dos mesmos poderia tornar excessivamente onerosa a venda dos imóveis que constituem morada de família, o Código do IRS dispõe no seu artigo 10º, n.º5, uma exclusão de tributação das mais-valias decorrentes da alienação de habitação própria e permanente na aquisição de novo imóvel com a mesma finalidade, nos seguintes moldes (na redação atualmente em vigor):

 “5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
  2. o reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
  3. o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.

Adicionalmente, dispõe ainda o nº 6 do referido preceito, que o benefício não é aplicável sempre que, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento, e, nos demais casos, quando o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

A interpretação e aplicação prática desta norma tem gerado frequentes litígios entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, muitos resolvidos com recurso à via judicial, sendo as fontes do litígio de diversa natureza, dos quais nos vamos debruçar neste artigo especificamente sobre dois: as alternativas de reinvestimento, por um lado, e o conceito de habitação própria e permanente, por outro.

Da análise à alínea a) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, concluímos que o legislador estabelece três alternativas de reinvestimento para que opere a exclusão de tributação (total ou parcial) da mais-valia decorrente da alienação de habitação própria e permanente:

  • reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel;
  • reinvestimento na aquisição de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção; ou,
  • reinvestimento na ampliação ou melhoramento de outro imóvel.

 Uma das questões que se suscita é, em primeiro lugar, determinar se combinações das diferentes alternativas previstas pelo legislador (e.g., reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel e melhoramento do imóvel adquirido) são possíveis para efeitos de aplicação da referida exclusão de tributação.

Cumpre notar que, tanto quanto sabemos, não existem orientações da Autoridade Tributária a este respeito. No entanto, temos conhecimento que a Autoridade Tributária, em sede de inspeção, tem considerado que não é possível cumular o valor de aquisição com os encargos incorridos em obras de melhoramento nesse mesmo imóvel, por entender que combinações das diferentes alternativas de reinvestimento (tipificadas no n.º 5 do Artigo 10º do CIRS) não são possíveis.

 Não obstante o exposto, existem em nosso entender argumentos para considerar que tais combinações são possíveis, dado que a lei nada dispõe em sentido contrário. No mesmo sentido, discorre Rui Duarte Morais em “Sobre o IRS” (2014, 3ª edição, página 137), onde é referido “O artigo 10.º, n.º 5, exclui da tributação as mais-valias obtidas aquando da alienação de habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento (ou numa combinação destas diferentes formas, se bem julgamos entender) (…)”. Esta é também a posição que tem vindo a ser assumida em algumas decisões arbitrais, nas quais a consideração do valor de aquisição, bem como subsequentes obras de melhoramento realizadas no imóvel alvo de reinvestimento, foram consideradas como combinações possíveis, quando as obras realizadas nesse imóvel se destinaram a capacitar o mesmo de condições de habitabilidade (ver a este respeito, decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 60/2012-T, de 31/07/12).

 Não obstante, conhecemos igualmente decisões arbitrais que se pronunciam em sentido inverso (ver a este respeito decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 330/2017-T, de 02/11/17). Nestes casos, o tribunal conclui que tais encargos (com obras de melhoria) poderão vir a ser considerados como encargos na valorização do imóvel, podendo ser utilizados no âmbito da determinação do valor de aquisição, nas condições descritas no artigo 51º do Código do IRS, para efeitos de apuramento de futura mais-valia na alienação desse imóvel.  

Face às dúvidas existentes e posições diversas assumidas pela jurisprudência, seria, portanto, importante, que a redação da norma fosse clarificada no sentido de prever expressamente que a cumulação de alternativas de reinvestimento é possível para efeitos desta exclusão.

Outra das questões que tem suscitado litígios reside na comprovação de que o imóvel alienado (ou o imóvel objeto do reinvestimento) corresponde à habitação própria e permanente.

A Autoridade Tributária tem vindo a considerar (mesmo antes da alteração introduzida pela Reforma do IRS em 2015 ao artigo 13º do Código do IRS), que os sujeitos passivos não podem beneficiar da exclusão pelo reinvestimento caso a habitação própria e permanente não coincida com o domicílio fiscal dos sujeitos passivos ou do seu agregado familiar.

Esta não tem vindo a ser a posição assumida pelos tribunais. Com efeito, a jurisprudência considera que a morada em certo lugar pode demonstrar-se através de factos justificativos de que o sujeito passivo ou agregado familiar fixou nesse prédio o centro da sua vida pessoal (o que pode provar-se através de certas condições físicas – casa, mobília, etc. –, jurídicas – contratos, declarações, inscrições em registos – e sociais - integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, locais de reunião e confraternização, entre outros (veja-se, por exemplo, o disposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo 0590/11).

Adicionalmente, no que se refere à necessidade de a morada da habitação própria e permanente coincidir com o domicílio fiscal, é referido na jurisprudência que, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no Estatuto dos benefícios fiscais, para além de que o artigo 10º nº 5 refere-se a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, sendo que esta alternatividade apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicílio fiscal (em sustentação do exposto, veja-se os acórdãos do CAAD no âmbito do Processo nº 103/2013-T, do Processo nº 37/2013-T, do Processo 47/2014-T, do Processo nº 721/2015-T e do Processo nº 92/2016-T, entre outros).

 Atualmente, esta questão encontra-se já, de certa forma salvaguardada, na medida em que, segundo o disposto no nº10 e seguintes do artigo 13º do Código do IRS, não obstante o domicílio fiscal fazer presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, este pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário, considerando-se preenchido este requisito de prova, designadamente quando o sujeito passivo faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel, ou faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

Por tudo quanto foi exposto, e tendo em conta que os valores envolvidos na alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente são por norma elevados, recomendamos que estas questões sejam devidamente acauteladas, por forma a obviar à oneração destas operações pela não aplicação da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS. Porque nesta, como em muitas normas fiscais, “o diabo está nos detalhes”.

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