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Rapidez na justiça tributária – estratégias a montante e a jusante

Há um certo consenso sobre um valor essencial que deve prevalecer num sistema fiscal moderno: a rapidez da justiça tributária.

O nosso sistema fiscal é complexo. O modelo de informações vinculativas (normais ou urgentes), que foi desenhado para garantir um maior nível de segurança jurídica aos contribuintes, é frequentemente inconclusivo. Pedidos urgentes, com prazo de deferimento tácito, são regularmente convolados em pedidos não urgentes. Por vezes, os pedidos de informação vinculativa acabam por não ser sequer respondidos (embora menos que no passado). A doutrina emanada pela AT, quando é conhecida, nem sempre está alinhada com o verdadeiro espírito da lei ou mesmo com a jurisprudência dos tribunais. E os tribunais produzem jurisprudência também ela muitas vezes contraditória.

Chegados à fase contenciosa, verificamos que as matérias relevantes estão disseminadas por um emaranhado de códigos (o do imposto respetivo, a LGT, o CPPT, o RCPITA, RGIT, e por aí fora) e legislação dispersa, que faz com que qualquer tema seja sempre alvo de enorme controvérsia. Atente-se na atualíssima discussão, que ocupa muitos e respeitados juristas, em que se esgrimem argumentos a favor e contra a posição de que, com todos os “retoques” que o regime da prescrição sofreu ao longo dos tempos, por via legislativa, doutrinal e jurisprudencial, neste momento as dívidas fiscais não prescrevem.

Está um pouco enraizada a ideia juntos dos contribuintes que a fase administrativa (direito de audição, pedido de revisão da matéria coletável, reclamação, recurso hierárquico, etc…) não passa de uma perda de tempo em que a AT raramente altera as suas posições relativamente a liquidações efetuadas, especialmente quando estão em causa questões de direito. Que o princípio do duplo grau de decisão não assegura uma análise crítica das decisões proferidas pelo órgão inferior. Ou seja, o sistema empurra inexoravelmente mais e mais processos para o processo judicial. Mas os tribunais não conseguem dar resposta a tanto contencioso. De acordo com os últimos elementos estatísticos disponíveis, no final do ano de 2016 existiam 49.820 pendências nos tribunais tributários. Atendendo ao reduzido número de juízes disponíveis a situação, que já era insustentável, de certeza que piorou muito. A exceção que permite obter uma decisão em tempo útil é o tribunal arbitral (CAAD). E aqui não pode deixar de se saudar o disposto no Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15 de Outubro que, entre outras medidas, vem determinar a possibilidade dos sujeitos passivos poderem submeter as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, com dispensa de pagamento de custas processuais (judiciais), relativamente a processos tributários pendentes que tenham dado entrada nos tribunais tributários até 31 de dezembro de 2016. Serão estas medidas suficientes?

O procedimento administrativo e o processo judicial fiscal autoinduzem morosidade. Os prazos, normalmente perentórios para os contribuintes são meramente indicativos para a AT e para os tribunais fiscais… podiam ser repensados. Se o contribuinte não tem pressa ou prefere preparar adequadamente a sua defesa, porquê impor um prazo de 8 a 15 dias para a audição prévia, 120 dias para a reclamação graciosa ou de 30 dias para o recurso hierárquico? O mesmo sendo aplicável aos prazos para impugnação nos tribunais fiscais. A mera duplicação destes prazos, partindo do pressuposto que o contribuinte será, em regra, o maior interessado em apressar a resolução do seu problema, permitiria reduzir ou atrasar a chegada do número de processos que se acumulam na AT e nos tribunais fiscais. O Estado, com os seus créditos normalmente garantidos, será sempre compensado com juros de mora e compensatórios se a sua posição acabar por prevalecer, podendo mesmo beneficiar do regime de agravamento da coleta previsto no art.º 77 do CPPT.

Neste âmbito, e se se quiser ir mais longe, a perda do prazo de apresentação do meio de defesa deveria ser sancionada apenas com multa, se for solucionado num prazo razoável.

Ou seja, se não se consegue resolver a jusante o problema, talvez valha a pena aliviar a carga a montante.

O regime do indeferimento tácito das reclamações e dos recursos hierárquicos, na ausência de resposta da AT num certo prazo, tal como se encontra formulado hoje (que antecipa a transição para o sistema judicial e, logo, fomenta uma maior congestão do mesmo), deveria passar a um regime de deferimento tácito das pretensões do contribuinte, ainda que sendo aumentado o prazo para a tomada de decisão. E porque é que o regime da prescrição é de conhecimento oficioso e o da caducidade tem que ser alegado pelo contribuinte? Na prática, uma distração do contribuinte (ou do seu mandatário) pode levar a que um processo já caducado tenha que ser julgado por um tribunal como se não o estivesse. Não faz muito sentido. E perpetua as pendências judiciais.

Por tudo o que foi dito, valerá com certeza o esforço de se pensar em medidas que visem otimizar todo o nosso sistema de contencioso tributário. Fica aqui uma pequena contribuição.

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