Ao longo dos últimos 20 anos, o Brasil tem vindo a participar ativamente em debates internacionais sobre questões tributárias, nomeadamente na OCDE. Como país membro do G20 tem estado ainda à frente de projetos decisivos na tributação internacional, tal como o projeto BEPS.
Este projeto permitiu que a OCDE e o Brasil promovessem diálogos políticos relacionados com as questões de Preços de Transferência. Desde então, ambas as partes têm vindo a desenvolver em conjunto uma análise aos dois sistemas fiscais com o objetivo de explorar a possibilidade de o Brasil se aproximar do modelo preconizado pela OCDE e pela maior parte dos países do mundo nesta matéria, modelo esse que assenta no princípio de plena concorrência.
Em meados de 2019, o Brasil demonstrou a sua intenção de fazer parte da OCDE através da submissão de um pedido formal para se tornar membro desta organização, tornando-se cada vez mais claro que a convergência do seu sistema de Preços de Transferência para o sistema da OCDE seria uma situação expectável.
O Brasil tem hoje as suas próprias regras de Preços de Transferência, as quais se articulam de forma desencontrada com o resto do mundo, tornando-se num obstáculo fiscal ao investimento no país. Num mundo cada vez mais interligado e com o crescimento exponencial das economias digitais, um sistema tributário desconectado do resto do mundo deixa o país exposto a situações de dupla-tributação e de não-tributação as quais acabam por afastar os investidores externos, nomeadamente as empresas e multinacionais europeias, e possibilitar a elisão fiscal, deslocando os lucros para ambientes de tributação mais reduzida. E complica ainda mais o enquadramento do Brasil no âmbito das novas iniciativas da tributação dos negócios digitais promovidas pela OCDE no âmbito do Projeto BEPS (Pilar 1 e Pilar 2).
Ainda que a abordagem brasileira nos traga alguma simplicidade no cumprimento das obrigações tributárias, tal não deve prejudicar o cumprimento do objetivo das regras de Preços de Transferência de garantir a base tributária adequada em cada jurisdição e evitar a dupla-tributação.
No entanto, a ausência de considerações especiais relacionadas com transações específicas, tais como transações que envolvam o uso ou transferência de intangíveis, serviços intragrupo, reestruturações de negócios, acordos de partilha de custos ou questões relacionadas com a atribuição de lucros a estabelecimentos estáveis, levam a uma exposição elevada a situações de dupla-tributação e evasão fiscal.
Outro aspeto prende-se com a simplificação das exportações, através da aplicação dos safe harbours do teste de 90%, ou ao teste de rentabilidade, os quais podem levar a resultados inadequados e que não consideram nenhum dos fatores de comparabilidade previstos nas Orientações da OCDE nesta matéria.
Como resultado da avaliação efetuada ao regime brasileiro de Preços de Transferência, e bem assim das divergências e lacunas identificadas, no passado dia 12 de abril, a Receita Federal, juntamente com a OCDE e o Governo do Reino Unido, promoveram uma apresentação geral do novo sistema de Preços de Transferência para o Brasil, o qual encontra-se alinhado com as normas internacionais preconizadas pela OCDE.
Tal alinhamento, permitirá ao Brasil evitar a dupla tributação e prevenir as situações de perda de receita, aumentar a segurança jurídica em matéria tributária em contexto internacional, integrar o Brasil nas cadeias de valor globais, promover o comércio internacional e o investimento externo e, não menos importante, facilitar a sua adesão à OCDE.
Ainda que este seja um caminho que se pretende percorrer, estas alterações carecem de aprovação legislativa, não havendo ainda qualquer previsão para a apresentação do projeto ao Congresso. Aguardam-se, por isso, com alguma expetativa os próximos passos neste caminho de alinhamento por parte do Brasil!