A OCDE desempenhou um papel fundamental nesta discussão com a publicação em 1995, das Orientações da OCDE[1], que se tornaram uma referência global para a determinação de Preços de Transferência justos e adequados entre partes relacionadas.
Desde então, a temática tem continuado a evoluir, tendo a maioria das jurisdições adotado regimes de Preços de Transferência tendo por base o princípio de plena concorrência com vista a reduzir a erosão da base tributária e a evasão fiscal, o qual determina que os termos e condições praticados entre partes relacionadas deverão ser aqueles que seriam praticados em operações comparáveis entre partes independentes.
De destacar todas as ações do projeto BEPS[2], iniciado em 2014 e que deu um enfoque ainda maior a esta temática.
Para muitas economias em desenvolvimento, a adoção de legislação específica de Preços de Transferência foi mais recente e existem ainda nestas jurisdições desafios significativos à sua implementação e controle, sendo de destacar: (i) a falta de dados de mercado, que pode dificultar a aplicação dos métodos tradicionais de preços de transferência[3] e (ii) a capacidade administrativa limitada para monitorizar e auditar adequadamente as transações entre partes relacionadas. Esta tem sido uma preocupação à qual organizações internacionais como a OCDE e as Nações Unidas têm tentado dar resposta, fornecendo orientações adicionais para as administrações fiscais.
Neste sentido, foi publicado no passado dia 10 de maio, para consulta pública, o DRAFT Toolkit - Determining the Price of Minerals: A Transfer Pricing Framework da OCDE em parceria com o IGF[4], (“Toolkit”) para apoiar os países em desenvolvimento na abordagem aos riscos de erosão da base tributária e transferência de lucros na fixação de preços de minerais.
No setor de mineração, os royalties e impostos são muitas vezes apurados com base no valor dos minerais transacionados, tornando essencial avaliar corretamente as transações de compra e venda. Assim, as transações estabelecidas entre partes relacionadas, por via de uma política de Preços de Transferência desadequada, podem originar situações de erosão da base tributária. Grande parte dos maiores depósitos de recursos naturais extrativos do mundo estão localizados em países em desenvolvimento, onde muitas vezes estas riquezas naturais não se traduziram em benefícios financeiros significativos para seus países e cidadãos. Um dos motivos para essa incapacidade de gerar retorno económico poderá estar relacionada com a eventual erosão da base tributária decorrente de políticas de Preços de Transferência desadequadas.
De acordo com esta publicação, são identificadas as maiores áreas de risco ao nível dos Preços de Transferência ao longo da cadeia de valor do setor da mineração, nomeadamente: (i) a aquisição de serviços técnicos, (ii) a aquisição de serviços de gestão, (iii) a cedência de recursos humanos especializados por outras jurisdições, (iv) o aluguer ou a compra de equipamentos especializados, (v) as operações de financiamento entre partes relacionadas dada as elevadas necessidades de capital nesta indústria e (vi) o preço de venda do minério. Pese embora o toolkit se foque na metodologia para estabelecer o preço de venda do minério, destaca as demais operações e refere a importância de as mesmas serem devidamente analisadas.
No que respeita à metodologia de pricing aplicável para a venda de minério, seleciona-se o método do Preço Comparável de Mercado (“PCM”). A visão consensual apresentada nas Orientações da OCDE de 2022, é que o método do PCM é um método apropriado para transações de commodities, como minerais. Historicamente, dada a disponibilidade de informações de preços no setor extrativo, este método será tipicamente apropriado para determinar o valor de mercado nas vendas de minerais entre partes relacionadas.
De acordo com o tooklit existem três fatores principais a serem considerados ao aplicar o método do PCM às vendas de minerais de partes relacionadas. Estes são (i) as características do produto, como as características físicas e a qualidade da mercadoria; (ii) as circunstâncias económicas existentes quando o contrato de venda foi celebrado, ou seja, o período do acordo; e (iii) as condições contratuais, como quantidade transacionada, condições de transporte, termos de pagamento, seguros, períodos de cotação, câmbio e taxas de tratamento e refinação.
Por último este Toolkit sugere algumas possíveis abordagens administrativas, de modo a reduzir o esforço das autoridades tributárias na auditoria a estas operações, entre as quais:
- A publicação por órgãos governamentais, da metodologia de pricing recomendada para minerais específicos. Por exemplo, no caso de produtos intermédios como o concentrado de cobre, fornecendo orientação sobre como os ajustamentos de qualidade e os custos de processamento devem ser determinados;
- A utilização de safe harbours. Países com recursos administrativos limitados podem estar interessados nesta abordagem, na qual as empresas que aplicam preços em transações com partes relacionadas iguais ou superiores ao safe harbour definido não são escrutinadas. Por outro lado, as empresas que transacionam abaixo do safe harbour são obrigadas a justificar sua metodologia de preços à administração tributária. Esta abordagem transfere o ónus da prova da administração tributária para o contribuinte, fornecendo informações adicionais a essa administração para avaliar o valor do mineral.
Embora este Toolkit esteja ainda em fase de consulta, a sua publicação constitui um instrumento base de orientação que permite aos principais agentes do setor começarem, desde já, a antecipar e rever as suas políticas intragrupo nas operações associadas às transações envolvendo minerais.
Fontes:
[1] OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations
[2] Base Erosion and Profit Spliting
[3] Temática abordada em maior detalhe no relatório Addressing Difficulties in Accessing Comparables Data for Transfer Pricing Analyses da Platform for Collaboration on Tax, uma iniciativa conjunta do FMI, OCDE, Nações Unidades e do Banco Mundial.
[4] Intergovernmental Forum on Mining, Minerals, Metals and Sustainable Development (“IGF”)