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Os juros moratórios e a desigualdade entre a AT e os contribuintes

A Lei prevê que são devidos juros de mora sobre dívidas tributárias dos contribuintes, incidindo estes sobre os juros compensatórios incluídos nessas dívidas, quando os mesmos se mostram devidos. Contudo, quando se verifica o atraso, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no reembolso de impostos indevidamente pagos ou no pagamento de juros indemnizatórios aos contribuintes, a Lei não prevê o pagamento a estes de quaisquer montantes de juros de mora, criando uma situação desigual entre A AT e os contribuintes, em situações em tudo semelhantes.

Nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), são devidos juros compensatórios quando, por erro imputável ao sujeito passivo, é retardada a liquidação de imposto devido ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido.

Adicionalmente, dispõe o artigo 44.º da mesma Lei, que quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal, são devidos juros de mora, sendo que estes incidem sobre o montante da dívida tributária, a qual incluí, indiscutivelmente, os juros compensatórios quando os mesmos se mostrem devidos.

Deste modo, compreende-se que a natureza dos juros compensatórios e dos juros de mora é distinta, na medida em que uns (compensatórios) visam, conforme o próprio nome indica, compensar o Estado pelo atraso na liquidação e os outros (mora) apresentam natureza sancionatória.

Aliás, é esta natureza distinta que não levanta qualquer questão sobre a incidência de juros de mora sobre os juros compensatórios quando estão em causa dívidas tributárias dos contribuintes à AT.

Contudo, a lei é muito clara ao tipificar, no artigo 43.º da LGT, as situações em que são devidos juros indemnizatórios ou juros de mora a favor dos contribuintes, sendo que o n.º 5 deste artigo, prevê que os juros de mora apenas incidem sobre imposto e que são devidos apenas em caso de incumprimento pela AT do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado.

De facto, a lei e a jurisprudência têm vindo a considerar, de forma reiterada, que ao contrário do que se verifica no caso de juros compensatórios, os juros indemnizatórios têm uma natureza semelhante à dos juros de mora, pelo que quando se tratam de dívidas da AT aos contribuintes não se poderá verificar a incidência de juros de mora sobre juros indemnizatórios.

Mas é a existência dessa vasta jurisprudência que nos leva a questionar se não poderá estar a AT a escudar-se na letra da lei e na posição assumida pelos Tribunais para atrasar reembolsos, ou até mesmo negar o pagamento de juros indemnizatórios ou de juros de mora quando os mesmos se mostram, conceptualmente, devidos.

Note-se, por exemplo, a Sentença do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferida no âmbito do Processo de recurso n.º 0971/21.3BELRS.

Atentos os factos descritos na referida Sentença, verifica-se que o contribuinte apresentou um pedido de revisão oficiosa em 28 de julho de 2006, o qual foi parcialmente deferido em 6 de dezembro de 2018, i.e., mais de 12 anos depois.

Adicionalmente, é possível ainda aferir da referida Sentença que “No dia 19 de Fevereiro de 2019 (…) os serviços da administração tributária emitiram a liquidação (…) que determinou o saldo a reembolsar, no valor de € 1.236.277,34” tendo na mesma data emitido o respetivo cheque de reembolso.

Contudo, apenas “No dia 01 de Setembro de 2021 (…) os serviços da administração tributária emitiram (…) a liquidação de juros indemnizatórios (…) sobre o valor de € 1.236.277,34, contados desde o dia 29 de Julho de 2007 até ao dia 19 de Fevereiro de 2019”.

Neste caso, pese embora o STA tenha concluído que, no caso em apreço, se mostram devidos juros de mora sobre juros indemnizatórios, concluiu também que os mesmos apenas seriam devidos após o término do prazo para a execução espontânea da decisão arbitral que reconheceu o direito aos mesmos.

Pelo que, tendo a AT decidido um pedido de revisão do ato tributário 12 anos após a sua apresentação pelo contribuinte e, por sua decisão, tenha atrasado em 2 anos o pagamento ao contribuinte dos juros indemnizatórios que se mostravam devidos nos termos da lei, não lhe foi aplicada qualquer sanção, o que demonstra claramente a desigualdade de armas entre os contribuintes e a AT, uma vez que, caso a dívida fosse do contribuinte, a mesma incluiria juros compensatórios, pelo que o atraso em 2 anos no seu pagamento, não só daria origem a juros de mora sobre esses juros compensatórios, como inclusivamente seria instaurado um processo de execução fiscal.

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