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O MDR já está em vigor…e agora?

Após um processo de mais de dois anos, o MDR está finalmente em vigor e já foram efetuadas milhares de comunicações às autoridades fiscais dos estados-membros da UE.

Ao longo dos últimos dois anos foram sendo escritos muitos artigos, emitidas publicações e efetuadas várias apresentações sobre o Mandatory Disclosure Regime (“MDR”), tanto em Portugal como no estrangeiro. Mas agora que o MDR se encontra plenamente em vigor em Portugal e nos restantes estados-membros da União Europeia (UE), faz sentido fazer um primeiro balanço desta jornada.

Tudo começou em 2015 com a Ação 12 do Projeto Base Erosion and Profit Shifting (“BEPS”) da OCDE, a qual versava precisamente sobre Mandatory Disclosure Rules. Aliás, diga-se, que este relatório da OCDE teve por base algumas legislações sobre comunicação de planeamento fiscal abusivo, entre as quais a constante do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro, que estabelecia deveres de comunicação, informação e esclarecimento à administração tributária para prevenir e combater o planeamento fiscal abusivo, e que esteve em vigor em Portugal durante mais de 12 anos.

Três anos depois, foi adotada a Diretiva Europeia (UE) 2018/822 do Conselho, de 25 de maio de 2018, a tão afamada sexta versão da Diretiva relativa à Cooperação Administrativa (“DAC 6”) no seio da UE. A DAC 6 deveria ter sido transposta pelos vários estados-membros da UE até 31 de dezembro de 2019 e ser aplicável a partir de 1 de julho de 2020, o que não se verificou em muitos casos, nomeadamente em Portugal.

O MDR tem, pelo menos, um triplo objetivo: (i) servir como dissuasor do planeamento fiscal agressivo, (ii) permitir um maior foco nas ações de inspeção tributária e (iii) antecipar o conhecimento das autoridades tributárias face ao que intermediários e contribuintes relevantes andam a fazer, possibilitando, se necessário, a introdução de alterações legislativas que inviabilizem determinado tipo de planeamento que possa ser visto como agressivo / abusivo.

Em Portugal, a DAC 6 foi transposta mediante a publicação da Lei n.º 26/2020, de 21 de julho, a qual estabelece a obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, e revogou o Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro.

Ora, desde logo, se percebe que a transposição da DAC 6 em Portugal não foi totalmente coincidente com a própria DAC 6, na medida em que, por um lado, também abrange os mecanismos internos (e não apenas os transfronteiriços), certamente com vista a preencher o espaço resultante da revogação do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro, e, por outro lado, inclui o IVA como um dos impostos especificamente abrangidos no que concerne a mecanismos internos (embora expressamente excluído da DAC 6, assim como em Portugal, para os mecanismos transfronteiriços).

Em decorrência da Diretiva (UE) 2020/876 do Conselho, de 24 de junho de 2020, para fazer face à necessidade urgente de diferir certos prazos para a apresentação e a troca de informações no domínio da fiscalidade devido à pandemia da doença COVID-19, foi publicado o Decreto-Lei n.º 53/2020, de 11 de agosto. Posteriormente, mediante despacho do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, de 19 de novembro de 2020, foram finalmente fixados todos os prazos relevantes para efeitos de notificações e comunicação:

  • Mecanismos transfronteiriços cujo primeiro passo de implementação tenha ocorrido entre 25 de junho de 2018 e 30 de junho de 2020 – comunicação à AT até 28 de fevereiro de 2021 (em alguns casos, até 10 de março de 2021);
  • Mecanismos transfronteiriços e internos cujo facto relevante tenha ocorrido entre 1 de julho de 2020 e 31 de dezembro de 2020 – comunicação à AT até 31 de janeiro de 2021 (em alguns casos, até 10 de fevereiro de 2021);
  • Mecanismos transfronteiriços e internos cujo facto relevante ocorra a parti de 1 de janeiro de 2021 – regra geral, comunicação no prazo de 30 dias (em alguns casos, alargado por 10 dias).

A comunicação exigia um formulário próprio, harmonizado nos termos das regras definidas e para facilitar a troca automática de informação entre os estados-membros da UE. Em 29 de dezembro de 2020 foi publicada a Portaria n.º 304/2020, que aprovou a declaração Modelo 58, a qual deve ser submetida por transmissão eletrónica de dados no Portal das Finanças.

Mas como as dúvidas suscitadas pela DAC 6 são extensas e variadas, tanto em Portugal como nos restantes estados-membros da UE, muitos foram emitindo guidelines interpretativas. Embora a DAC 6 seja a base das legislações adotadas pelos vários estados-membros da UE, e muitos tenham transposto a DAC 6, aparentemente, de forma muito similar, a interpretação que cada estado-membro tem vindo a fazer da mesma norma tem sido divergente. Portugal tornou públicas as suas orientações genéricas em 19 de janeiro de 2021, mas restam muitas dúvidas por esclarecer e todos os dias surgem novas temáticas.

Até ao presente, afigura-se claro que deveriam ter sido emitidas guidelines centrais e não deixar ao arbítrio de cada estado-membro a respetiva interpretação da DAC 6. De facto, tal resultou em interpretações díspares, com impacto para os intermediários, contribuintes relevantes e próprias administrações tributárias, na medida em que o mesmo mecanismo poderá ser comunicável segundo a interpretação de um estado-membro, mas não o ser no âmbito da interpretação de outro. Se se trata de uma Diretiva Comunitária e com o objetivo de todos aplicarem as mesmas regras, até porque, pelo menos em teoria, somente deveria verificar-se uma vez a comunicação do mesmo mecanismo no seio europeu seguida da troca automática de informação entre estados-membros, podemos afirmar que tal ainda não acontece, designadamente, porque há múltiplas comunicações do mesmo mecanismo (em vários estados-membros, ou mesmo num único estado-membro).

Em termos de comunicações no Portal das Finanças, e embora ainda não se encontre disponível o comprovativo das declarações Modelo 58 submetidas (o que coloca em causa o cumprimento atempado da obrigação de muitos intermediários / contribuintes relevantes que podem beneficiar de uma dispensa de comunicação por a mesma já ter sido efetuada à AT por outro intermediário / contribuinte relevante), nos últimos dois meses foram submetidas mais de uma centena de declarações Modelo 58, o que indica terem sido comunicados mais mecanismos em dois meses do que foram comunicados esquemas nos 12 anos de vigência do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro.

Ainda estamos no início e com certeza haverá muito para fazer, desde a harmonização de guidelines e eventualmente uma futura alteração de âmbito da própria DAC 6, potencialmente impulsionada pela saída do Reino Unido em resultado do Brexit, o que determinou que o Reino Unido apenas tenha adotado a DAC 6 relativamente a duas (das quinze) características-chave previstas na DAC 6, isto é, as relativas à comunicação de contas financeiras e identificação do beneficiário efetivo. A DAC 6 é, sem dúvida, um processo complexo para todos os intervenientes – intermediários, contribuintes relevantes e autoridades tributárias – e necessariamente evolutivo e esta é uma evolução que todos os stakeholders devem acompanhar de perto.

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