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O IVA no mercado imobiliário e a eterna dúvida dos 17 pontos percentuais

Em Portugal, o IVA assume uma enorme importância nos investimentos imobiliários, ocupando, à partida, um peso de 23% sobre o valor geral da empreitada que, no caso de imóveis para habitação, será um custo final a suportar pelo adquirente, uma vez que em caso algum é possível a sua recuperação.

No entanto, a degradação progressiva das zonas mais antigas das principais cidades portuguesas colocou o incentivo à reabilitação urbana na lista de prioridades do legislador português, como forma de apostar no mercado imobiliário nacional.

Assim, com o Orçamento do Estado para 2009, foi criado um conjunto de incentivos fiscais às operações de reabilitação urbana, tais como, a taxa reduzida de IVA de 6%, permitindo um ganho de 17%, na esfera do investidor.

De facto, aquele Orçamento introduziu no Código do IVA a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de imposto, desde que esteja em causa uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), realizada em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana (ARU) delimitadas nos termos legais.

Ou seja, de acordo com o Código, para aplicação da taxa reduzida de IVA será necessário o cumprimento de 2 requisitos:

  • estar em causa uma empreitada que seja de reabilitação urbana;
  • o imóvel encontrar-se localizado numa ARU.

As medidas já foram criadas, importa agora verificar como se aplicam na prática.

Aquilo que temos assistido, junto dos investidores, consiste na incerteza quanto à aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas de reabilitação urbana, porque a definição dos pressupostos não é clara, especialmente no que respeita ao conceito de reabilitação urbana, assim como a indefinição (e mesmo repartição) de responsabilidades entre a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e as Câmaras Municipais.

Ao contrário do que acontece na aplicação dos benefícios fiscais à reabilitação urbana previstos nos impostos sobre o património, nomeadamente no IMT, na aplicação da taxa reduzida de IVA o contribuinte não tem conhecimento sobre como deverá ser atestado o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, nem sobre qual a entidade que tem competência para este efeito.

De facto, enquanto que a maioria das Câmaras Municipais confirma que o imóvel se encontra localizado numa ARU, não existe um mecanismo que permita confirmar, a priori (i.e., antes do início das obras), se a empreitada a realizar consubstancia uma reabilitação urbana, nos termos da legislação aplicável.

Sobre esta questão, e quando questionada, a AT tem vindo a defender que a empreitada em causa não consubstancia uma reabilitação urbana a menos que o município responsável ateste o contrário. Entretanto, os municípios, ou desconhecem a (nova) interpretação (ou criação legislativa) da AT ou, regra geral, não preveem um mecanismo próprio que ateste este requisito, ou seja que se trata de uma empreitada que seja de reabilitação urbana.

E a definição de reabilitação urbana é tudo menos simples!

É certo que o RJRU prevê algumas definições que ajudam a balizar o conceito, mas não de forma suficientemente clara. E a experiência tem-nos dito que muitas questões ficam por responder, uma vez que a lei não é suficientemente esclarecedora e as Câmaras Municipais interpretam o conceito com significativa discricionariedade. 

Ademais, é de salientar que os benefícios fiscais à reabilitação urbana no âmbito nos impostos sobre o património (nomeadamente o IMT) se aplicam quando estão em causa intervenção de reabilitação urbana de “edifícios”, enquanto que a taxa reduzida do IVA deverá ser aplicável a empreitadas de reabilitação urbana sobre “imóveis”. Consequentemente, entendemos que, nos termos da letra da lei, a taxa reduzida do IVA deverá poder permitir uma aplicação mais alargada deste benefício fiscal, na medida em que o conceito de “imóvel” é mais abrangente do que o conceito de “edifícios” e desde que cumpridos os demais requisitos.

Importa ainda referir que, ao longo dos anos, a AT tem exigido a verificação de requisitos adicionais, não previstos na lei, por parte do contribuinte, para efeitos da aplicação da taxa reduzida.

Perante este contexto, a atração do investimento imobiliário fica prejudicada a partir do momento em que a AT relega para o investidor a assunção do risco de aplicação da taxa reduzida de IVA sem a confirmação do cumprimento dos respetivos requisitos em momento anterior ao início das obras. É importante relembrar que este risco poderá revelar-se demasiado oneroso num cenário em que a AT, em caso de inspeção, não concorde com o tratamento conferido e, para além da liquidação adicional resultante do diferencial das taxas de IVA, emita coimas e juros compensatórios pelo atraso no pagamento do imposto devido.

Estas questões, entre outras, que a aplicação prática da taxa reduzida do IVA de 6% às empreitadas de reabilitação urbana coloca, geram uma insegurança jurídica tal que muitas vezes constitui mesmo um entrave à realização de novos investimentos imobiliários.

Por seu turno, o facto de os custos do projeto poderem variar em 17% assume um impacto decisivo em dois fatores determinantes do desempenho do setor imobiliário português: a margem do investidor e o custo final dos imóveis que no limite poderá ser o fator decisivo para investir em Portugal.

A eterna questão ficaria resolvida com a adaptação e disponibilidade dos Municípios para a emissão de declarações que atestem: (i) que uma determinada empreitada a realizar consubstancia uma reabilitação urbana e (ii) que o imóvel objeto da reabilitação urbana se encontra localizado numa ARU (este último requisito já é amplamente atestado pelos Municípios). Demasiado simples?

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