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O caso Finanzamt T II, os grupos de IVA e o programa Acelerar a Economia do Governo

No acórdão de 11 de julho de 2024, proferido no âmbito do processo C 184/23 (caso Finanzamt T II), o TJUE volta a pronunciar-se a respeito da não sujeição a IVA nas prestações de serviços efectuadas entre sujeitos passivos pertencentes ao mesmo grupo de IVA. Por cá, o Governo aprovou já no “Programa acelerar a Economia” a medida de criação do regime dos grupos de IVA a partir de Janeiro de 2025, numa tentativa de permitir a consolidação intragrupo dos saldos de IVA. Espera-se, pois, que a introdução deste regime permita melhorar a tesouraria das empresas, reduzindo os processos de reembolso de IVA, desburocratizando e agilizando procedimentos por via da consolidação dos saldos do imposto a entregar ou a reembolsar pelo Estado. Resta saber o impacto que esta medida terá nas sucursais ou outros sujeitos passivos de grupos económicos diversos, ou mesmo noutras estruturas já existentes como os ACE’s (especialmente no sector da Banca e Seguros).

No passado dia 11 de julho de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu o Acórdão referente ao processo C-184/23, o qual opôs a Administração Fiscal Alemã à Fundação S (o caso Finanzamt T II). O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre o Finanzamt T e “S”, uma fundação alemã de direito público, a respeito da tributação em matéria de IVA relativamente ao exercício fiscal de 2005. Em concreto, a S é uma fundação alemã de direito público sendo o órgão de cúpula de uma universidade, a qual também gere um departamento de medicina universitária, pertencente a um agrupamento de IVA, do qual faz igulamente parte a sociedade U‑GmbH. Ao longo de 2005, a sociedade U‑GmbH prestou à S serviços de limpeza, higiene, lavandaria e transporte de pacientes. Os serviços de limpeza foram prestados para todo o complexo imobiliário da S, constituído pelo departamento de medicina universitária, do qual fazem parte os quartos dos pacientes, os corredores, as salas de operações, as salas de aulas e os laboratórios. A S exerce atividades económicas no complexo imobiliário pelas quais se encontra sujeita a IVA, mas utiliza salas de curso e outras partes desse complexo para atividades de formação de estudantes, que exerce na qualidade de autoridade pública e pelas quais não é considerada sujeito passivo de IVA.

Em 3 de novembro de 2005, na sequência de uma inspeção, a Administração Fiscal retificou o aviso de liquidação de IVA da S relativo ao ano de 2005. Em primeiro lugar, considerando que os estabelecimentos da S formavam uma empresa única, cujo órgão de cúpula era precisamente a sociedade S, a Administração Fiscal considerou que devia ser feita uma única declaração de IVA e que, por conseguinte, devia ser emitido um único aviso de liquidação. Em segundo lugar, a Administração Fiscal considerou que os serviços de limpeza prestados pela U‑GmbH à S constituíam prestações efetuadas na unidade fiscal (Organschaft – Grupo de IVA) formada pela S e pela U‑GmbH e que, por conseguinte, essas prestações não estavam sujeitas a IVA.

Em face do litígio em apreço, foram então submetidas as seguintes questões prejudiciais ao TJUE: 1) O agrupamento de várias pessoas num único sujeito passivo (grupo de IVA ou unidade fiscal  - Organschaft) significa que as prestações efetuadas a título oneroso entre estas pessoas não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do imposto sobre o valor acrescentado? 2) As prestações a título oneroso entre estas pessoas estão, de qualquer modo, sujeitas ao âmbito de aplicação do IVA se o destinatário não tiver (ou só tiver parcialmente) o direito de deduzir o imposto pago a montante, uma vez que, caso contrário, existe um risco de perdas fiscais?

A título preliminar e por forma a responder às questões colocadas, o TJUE refere uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário (v.g. Acórdão Morgan Stanley & Co International, C‑165/17). Para determinar se essa relação jurídica existe, há que verificar se o prestador exerce uma atividade económica independente, nomeadamente por suportar o risco económico decorrente da sua atividade [v.g. Acórdãos Skandia America (USA), filial Sverige, C‑7/13].Quanto à questão de saber se as prestações fornecidas entre membros de um mesmo agrupamento IVA devem ser tributadas, há que ter em conta a pertença desses membros a um mesmo agrupamento IVA e as regras específicas previstas no artigo 4.°, n.° 4, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (a mesma linha de decisão no caso Danske Bank). Segundo a redação dessa disposição, os Estados‑Membros podem considerar como “um único sujeito passivo” as pessoas estabelecidas no território do país que, embora juridicamente independentes, estão estreitamente vinculadas entre si nos planos financeiro, económico e de organização. A aplicação prática da norma implica que a regulamentação nacional adotada com base na mesma, autoriza as entidades que apresentam esses vínculos a deixarem de ser consideradas sujeitos passivos distintos de IVA, para serem consideradas um sujeito passivo único e que, quando um Estado‑Membro aplica essa disposição, as entidades subordinadas na aceção da referida disposição não podem ser consideradas um ou mais sujeitos passivos na aceção do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Diretiva. Nesta medida, a equiparação de um agrupamento IVA a um único sujeito passivo, impede que os membros do agrupamento IVA continuem a apresentar declarações separadamente e continuem a ser identificados, dentro e fora do agrupamento, como sujeitos passivos, uma vez que só o sujeito passivo único está autorizado a apresentar as referidas declarações. Conclui o TJUE que as prestações efetuadas a título oneroso entre pessoas que façam parte de um mesmo agrupamento IVA constituído por pessoas independentes do ponto de vista jurídico, mas estreitamente vinculadas entre si nos planos financeiro, económico e de organização, designado por um Estado‑Membro como sendo um sujeito passivo único, não estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA), mesmo no caso de o IVA devido ou pago pelo beneficiário dessas prestações não poder ser objeto de dedução a montante.

Por cá, o Governo aprovou já no “Programa acelerar a Economia” a medida de criação do regime dos grupos de IVA a partir de Janeiro de 2025, numa tentativa de permitir a consolidação intragrupo dos saldos de IVA. Espera-se, pois, que a introdução deste regime permita melhorar a tesouraria das empresas, reduzindo os processos de reembolso de IVA, desburocratizando e agilizando procedimentos por via da consolidação dos saldos do imposto a entregar ou a reembolsar pelo Estado. Resta saber o impacto que esta medida terá nas sucursais ou outros sujeitos passivos de grupos económicos diversos (especialmente do sector da Banca e Seguros) e o que será feito dos actuais Agrupamentos Complementares de Empresas (ACE), substratos associativos que já detinham na sua base de constituição esta lógica de eficiência em IVA. Esta alteração será sem dúvida bastante relevante, ao que a jurisprudência do TJUE terá certamente uma palavra a dizer.

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