A crescente evolução tecnológica tem conduzido a uma tentativa de simplificação dos procedimentos por parte da Autoridade Tributária (AT).
Uma das mais recentes iniciativas a este respeito ocorreu em 8 de julho de 2022 (com a publicação do Decreto-Lei n.º 44/2022), com a alteração de uma das regras previstas na Lei Geral Tributária relativamente à nomeação de representante fiscal, e subsequente clarificação do entendimento da AT nesta matéria (através do Ofício Circulado n.º 90057, de 20 de julho, que revogou o anterior Ofício Circulado nº 90054, de 6 de junho).
Até então, entendia a AT que cidadãos com residência em países terceiros, i.e., fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu, que se encontrassem registados fiscalmente em Portugal estavam obrigados a nomear um representante fiscal, designadamente, uma pessoa singular ou coletiva, residente fiscal em Portugal, que teria como principal responsabilidade a receção e gestão da correspondência emitida pela AT, não sendo responsável pelo pagamento dos impostos do cidadão não residente (com exceção, para o caso do IVA, em que existe uma responsabilidade tributária solidária do representante fiscal do sujeito passivo não residente).
Esta nomeação poderia ocorrer em dois momentos – no registo fiscal inicial em Portugal como não residente fiscal ou, alternativamente, aquando da cessação da residência fiscal em Portugal e transferência para um país terceiro.
No Ofício Circulado n.º 90057 acima mencionado, veio a AT clarificar o entendimento de que a nomeação de representante fiscal perante a AT está condicionada à existência de uma relação jurídica tributária em Portugal (como sejam, por exemplo, a celebração de um contrato de trabalho, o exercício de uma atividade por conta própria, a detenção de um imóvel ou de um veículo, entre outros). Em regra, considera a AT que a nomeação de representante fiscal passa então a ser obrigatória apenas para aqueles que se encontrem sujeitos ao cumprimento de obrigações fiscais ou que pretendam exercer quaisquer direitos junto da AT.
Assim, um cidadão que, cumulativamente, (i) não tenha domicílio fiscal em Portugal, nem na UE ou no EEE (Noruega, Islândia e Liechtenstein), (ii) não preencha os pressupostos legais para ter o estatuto fiscal de residente, (iii) não seja sujeito passivo de imposto (nos termos don.º 3 do artigo 18.º da LGT) e (iv) não se encontre sujeito ao cumprimento de obrigações nem pretenda exercer quaisquer direitos junto da AT, não é obrigado a designar um representante fiscal.
No entanto, será a nomeação de representante fiscal obrigatória sempre que se verifique uma relação jurídica tributária em Portugal?
A resposta atual é não! Com efeito, uma das novidades introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 44/2022 prende-se com a possibilidade de dispensa de representante fiscal, sempre que esta seja obrigatória, desde que ocorra a adesão a qualquer um dos canais de notificação desmaterializada (a saber, ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, ao regime de notificações e citações eletrónicas no Portal das Finanças ou à caixa postal eletrónica). De notar, contudo, que esta dispensa não se aplica no caso de o sujeito passivo exercer uma atividade por conta própria em território português, mantendo-se a obrigatoriedade de designar um representante fiscal de IVA (terá de ser sujeito passivo de IVA com residência em território nacional).
Assim, nos momentos acima mencionados (registo fiscal inicial ou cessação da residência fiscal em Portugal), poderão ocorrer os seguintes cenários, face a um cidadão residente em país terceiro:
- Não se prevê a existência de uma relação jurídica tributária em Portugal – o cidadão residente em país terceiro não está obrigado a nomear representante fiscal.
- Prevê-se a existência de uma relação jurídica tributária em Portugal – o cidadão residente em país terceiro poderá optar pela nomeação de representante fiscal ou pela adesão a um dos canais de notificação eletrónica, com exceção dos sujeitos passivos de IVA que exerçam uma atividade por conta própria em território português.
Não obstante, serão estas alterações suficientes? Estará o processo simplificado na sua plenitude? Em nosso entender, infelizmente, a resposta ainda é negativa. E porquê?
Em primeiro lugar, a adesão a qualquer um dos canais de notificação eletrónica implica o registo do cidadão no Portal das Finanças e a obtenção de uma senha de acesso ao referido Portal. Porém, em regra, a AT apenas disponibiliza esta senha de acesso via postal (correio tradicional). Ora, no caso de cidadãos residentes fora da UE, por norma a AT não tem enviado correio pela via postal (com exceção, segundo cremos para os cidadãos que residam no Reino Unido), o que coloca um obstáculo prático à implementação desta alternativa.
Assim, estando em causa um cidadão, residente em país terceiro, dispensado de nomear representante fiscal, como poderá ser obtida a senha de acesso ao referido Portal para subsequente adesão às notificações eletrónicas? Em alguns casos, a AT tem disponibilizado o acesso às denominadas “senhas na hora”, mas estas poderão não abranger este tipo de situações (dado que as mesmas podem ser pedidas nas situações em que esteja em causa o cumprimento atempado de obrigação tributária).
Por outro lado, apesar de os cidadãos aderirem às notificações eletrónicas (por qualquer um dos meios existentes, Portal das Finanças, viaCTT ou MUD), a AT continua a priveligiar o envio de determinada correspondência via postal (correio tradicional), o que coloca em causa a eficiência das notificações eletrónicas e a receção da correspondência por parte dos cidadãos.
Atendendo às problemáticas acima levantadas, e apesar da tentativa de simplificação de procedimentos, é, em nosso entender, ainda necessária a criação de mecanismos alternativos que facilitem o cumprimento das obrigações por parte dos cidadãos e a tomada de opções tecnologicamente eficientes. Uma das alternativas poderá passar pelo alargamento da atribuição da “senha na hora” de forma a prever também estas situações ou pela disponibilização da senha de acesso, não pela via postal, mas, por exemplo, por um endereço de e-mail e/ou contacto de telemóvel fiabilizado junto da AT.