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Neutralidade fiscal na permuta de partes sociais – será tudo uma questão de prova?

O tema que nos ocupa não é novo, mas continua a ser relevante porque persistem as dúvidas quanto à forma como os sócios das sociedades adquiridas devem comprovar a manutenção do custo fiscal nas novas participações sociais obtidas.

A permuta de participações sociais qualifica, de um ponto de vista fiscal, como uma transmissão onerosa de partes de capital suscetível de determinar o apuramento de mais-valias ou menos-valias fiscais na esfera dos transmitentes individuais ou coletivos. Não obstante, enquanto operação de reestruturação societária, a permuta é conceptualmente elegível para o regime da neutralidade fiscal, caso em que os sócios individuais ou coletivos da sociedade adquirida beneficiam de um diferimento da tributação das mais-valias potencialmente apuradas.

 

Contudo, a própria orgânica das operações de permuta parece ter vindo a suscitar dúvidas quanto à efetivação desta elegibilidade. Vejamos:

 

Numa permuta de partes sociais, a contrapartida a atribuir aos sócios da sociedade adquirida deverá corresponder a partes sociais da sociedade adquirente – e, eventualmente, a uma quantia residual em dinheiro –, podendo ter lugar por via (i) da subscrição de capital em espécie da sociedade adquirente, no âmbito da sua constituição ou aumento de capital, ou (ii) da entrega de quotas ou ações próprias da sociedade adquirente.

 

Nos casos em que a permuta determina a realização de entradas em espécie, é exigida obtenção de relatório por Revisor Oficial de Contas (“ROC”) independente para apuramento do valor de mercado da entrada em espécie, por previsão no Código das Sociedades Comerciais. Em resultado da referida avaliação poderá verificar-se uma não correspondência entre o valor nominal das partes de capital da sociedade adquirente a atribuir aos sócios da sociedade adquirida na sequência do aumento de capital e o valor pelo qual se encontravam valorizadas, para efeitos fiscais, as ações detidas pelos sócios na sociedade adquirida (partes de capital que consubstanciam a entrada em espécie).

 

O desencontro entre estes valores foi objeto de análise do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 2017, tendo sido proferida, uma decisão favorável à posição da AT relativamente à inaplicabilidade da neutralidade fiscal a uma operação em que uma pessoa singular permutou uma quota com valor nominal de €3.750, mas valorizada pelo ROC em €1.339.895, pelo facto de o contribuinte não ter apresentado prova de que continuou a valorizar, para efeitos fiscais, a nova participação social pelo valor da antiga.

 

Entendemos que a tónica desta decisão deverá estar na prova da manutenção do valor de aquisição fiscal e não no facto de conceptualmente o valor nominal e de mercado das partes de capital da sociedade adquirente dever coincidir com o custo de aquisição fiscal das partes de capital da sociedade adquirida, não apenas porque tal não resulta da lei fiscal, mas também porque poderia levar a resultados indesejados como seria aquele em que, na sequência de uma permuta, dois sócios com percentagens de participação idênticas na sociedade adquirida, mas que adquiriram participações sociais por valores de aquisição distintos (o que poderá resultar de diversos fatores, como a posição da sociedade em cada um dos momentos em que as aquisições se efetivaram), passariam a deter diferentes percentagens de participação no capital social da sociedade adquirente.

 

Apesar de o foco dever estar na prova, a verdade é que a decisão do CAAD de 2017 não deixou de gerar alguma inquietude porque a determinação dos meios de prova da valorização fiscal aceites pela AT não resultava clara à época, como continua a não resultar atualmente, decorridos alguns anos após a referida decisão.

 

Neste panorama, a única certeza é que o processo de documentação fiscal dos sujeitos passivos coletivos e individuais obrigados a possuir contabilidade organizada assume um papel crítico e deve ser cuidadosamente monitorizado. Por outro lado, para os sujeitos passivos individuais que não estejam obrigados a possuir contabilidade organizada a necessidade de preparação de um “defense file” poderá acabar por ser uma inevitabilidade.

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