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Lista de paraísos fiscais: para quando uma reforma?

A 31 de dezembro de 2020, a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis, vulgo “paraísos fiscais”, foi atualizada, através da Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro.

Poderíamos ter alguma esperança de uma atualização mais conforme com a atualidade fiscal e que harmonizasse a lista de paraísos fiscais, em consonância com o enquadramento tributário que se tem vindo a verificar a nível doméstico e, bem assim, tendo em consideração as disposições a nível europeu sobre a matéria. No entanto, a única alteração à lista foi a remoção de Andorra, permanecendo os restantes (80) territórios inalterados.

 

A nível doméstico, note-se que há países que constam da lista de paraísos fiscais com os quais Portugal celebrou Acordos para evitar a Dupla Tributação (“ADT”), os quais se encontram atualmente em vigor e preveem mecanismos de troca de informações entre as respetivas autoridades fiscais, como é o caso de Barbados, Emirados Árabes Unidos, Hong Kong, Koweit, Sultanato de Omã, Panamá, Qatar, São Marino e Uruguai. No caso do Uruguai, o respetivo ADT encontra-se em vigor desde setembro de 2012, tendo esta jurisdição sido retirada da lista de paraísos fiscais pela Portaria n.º 345-A/2016, de 30 de dezembro, apenas para voltar a constar da lista a partir de 1 de janeiro de 2018, quando o Orçamento do Estado para 2018 revogou a referida Portaria de 2016 (que retirava a Ilha de Man, Jersey e o Uruguai da lista de paraísos fiscais), repristinando a lista anteriormente vigente.

 

Por outro lado, foram também celebrados Acordos para Troca de Informações em Matéria Fiscal (“ATI”) com alguns países constantes da lista de paraísos fiscais, encontrando-se atualmente em vigor ATIs com Bermudas, Gibraltar, Ilha de Man, Ilhas Caimão, Jersey e Santa Lúcia, tendo igualmente sido celebrados ATIs, embora ainda não em vigor, com Antígua e Barbuda, Belize, Dominica, Guernsey, Ilhas Virgens Britânicas, Libéria, São Cristóvão e Neves e Turcos e Caicos.

 

Saliente-se que a aplicação de ADTs permite a obtenção de um enquadramento fiscal mais favorável, nomeadamente através da aplicação de taxas de retenção na fonte reduzidas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) ou Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativamente a pagamentos de alguns tipos de rendimento, como dividendos, juros ou royalties. Adicionalmente, uma entidade que seja residente, para efeitos fiscais, em país ou jurisdição com o qual esteja em vigor acordo que preveja a troca de informações em matéria fiscal (portanto, ATI), sendo o beneficiário efetivo de rendimentos aos quais se aplique o regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida, poderá beneficiar de isenção de retenção na fonte em sede de IRC ou IRS sobre juros, ou ainda isenção de tributação de mais-valias, decorrentes da alienação de alguns valores mobiliários, como por exemplo obrigações, preenchidos que estejam os respetivos requisitos para aplicação do referido regime especial.

 

Assim, não deixa de ser curioso, e até incoerente, que constem da lista de paraísos fiscais jurisdições com as quais Portugal celebrou Acordos (ADTs ou ATIs) que permitem a obtenção de um enquadramento fiscal mais vantajoso em Portugal, face a regimes gerais domésticos. O facto de Portugal celebrar este tipo de Acordos, devia fomentar (se não mesmo implicar quase que tacitamente) a sua retirada da lista de paraísos fiscais, para não chegarmos a situações, por exemplo, em que o pagamento de rendimentos de capitais (v.g., juros) a determinada jurisdição constante da lista de paraísos fiscais deveria ser tributado a uma taxa de retenção na fonte agravada de 35% (uma vez que o Código do IRC prevê a aplicação de taxa de retenção na fonte agravada para pagamentos de rendimentos de capitais a entidades fiscalmente residentes em paraísos fiscais), mas por aplicação do respetivo ADT, a taxa de retenção na fonte é reduzida para, por exemplo, 10%.  Na prática estamos perante um paradoxo de difícil explicação e fundamentação jurídica.

 

Adicionalmente, a nível europeu, a lista de “paraísos fiscais” é regularmente atualizada, constando atualmente da lista 12 jurisdições (por contraste aos 80 países/territórios/regiões da lista portuguesa), a saber: Anguilha, Barbados, Fiji, Guam, Palau, Panamá, Samoa, Samoa Americana, Seychelles, Trinidad e Tobago, Ilhas Virgens dos Estados Unidos da América e Vanuatu.

 

Com efeito, a União Europeia tem vindo a atualizar a lista de países não cooperantes, para efeitos fiscais, refletindo os esforços de várias destas jurisdições em reformular a sua política fiscal interna, as quais têm vindo a promover uma maior transparência fiscal e a implementação de diretrizes internacionais para combate à evasão e fraude fiscais.

 

Assim, a atualização da lista de paraísos fiscais que teve lugar a 31 de dezembro de 2020, poderia ter sido uma boa oportunidade para aproximar a lista da atualidade fiscal interna e europeia, tendo, no entanto, pecado (bastante) por defeito. Resta aguardar que uma próxima atualização – que, espera-se, não tarde a chegar – espelhe uma reforma profunda e se traduza numa harmonização da lista com a realidade fiscal internacional, nomeadamente a que existe no espaço da União Europeia.

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