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IRC e a convergência para as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS / IAS) – capítulo II

Há alguns meses escrevemos sobre as diferenças entre a contabilidade e a fiscalidade, em particular no que concerne ao grau de aderência entre as regras vigentes no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS/IAS).

Retomamos o tema pelo facto de ter surgido recentemente uma posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) sobre os impactos fiscais da adoção da IFRS 16 – Locações – obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2019, nomeadamente para as entidades cotadas.

Em primeiro lugar, recordamos que a eliminação da figura da locação operacional (IFRS 16) e consequente enquadramento de todos os contratos de locação como “direitos de uso” afeta os locatários em todas as indústrias.

A AT assume agora que estamos perante uma dualidade de políticas contabilísticas, a qual não é neutra, em termos dos impactos fiscais que origina.

De modo resumido, a AT defende agora que, não existindo normativos que permitam acomodar os procedimentos contabilísticos da IFRS 16, torna-se necessário manter a política fiscal que vem sendo seguida (entenda-se, em contexto SNC).  

Assim, a AT preconiza que devem ser desconsiderados, para efeitos fiscais, os movimentos contabilísticos efetuados de acordo com a IFRS 16 e “repostos” os efeitos fiscais inerentes ao tratamento contabilístico previsto na Norma Contabilística de Relato Financeiro 9 – Locações.

Não podemos deixar de referir que a IFRS 16 foi aprovada no início de 2016, pelo que foram já aprovados três Orçamentos do Estado (OE) sem que o legislador tivesse achado pertinente introduzir alterações ao Código do IRC numa matéria que se sabia desde logo que iria afetar inúmeras empresas.

Um ponto importante é que o modelo de dependência da fiscalidade face à contabilidade – explicitamente assumido no preâmbulo do Código do IRC desde 1988 e reforçado aquando da adaptação do Código do IRC ao SNC em 2009 – parece sofrer agora um volte-face na medida em que, em nosso entender, coloca um ónus acrescido de compliance fiscal aos contribuintes afetados sem que se descortinem quaisquer benefícios fiscais evidentes.

Com efeito, no que especificamente respeita à IFRS 16, numa ótica plurianual, os efeitos contabilísticos deste normativo tenderão a aproximar-se dos efeitos decorrentes das regras previstas no SNC em matéria de locações, pelo que eventuais impactos fiscais deverão primordialmente materializar-se em sede de impostos diferidos e não numa efetiva (muito menos, intencional) erosão da base tributável em sede de IRC.

Recordamos que, em 2018, sobre os impactos da adoção da IFRS 6 – Exploração e avaliação de recursos minerais, a AT clarificou que esta norma integra a normalização contabilística a que se refere o Código do IRC, pelo que, ao contrário do que agora defende, “deve ser acolhido, em sede de IRC, o tratamento que esta norma confere aos dispêndios de exploração e avaliação de recursos minerais”.

Reveladora de alguma inconsistência que a AT demonstra na apreciação destas temáticas é o facto de, anteriormente, ter-se também pronunciado sobre os efeitos da adoção da IFRIC 13 - Programa de Fidelização de Clientes, tendo concluído pela não relevância fiscal dos efeitos resultantes da adoção desta norma contabilística, não obstante a AT ter esclarecido na mesma resposta que a IFRIC 13 é aplicável por força da hierarquia de normas definida no ponto 13 da Diretriz Contabilística 18 (situação que é igualmente extensível à IFRS 16).

Na posição agora assumida, a AT elenca aspetos onde entende ser necessário introduzir alterações ao Código do IRC para refletir o novo (?) conceito contabilístico “direito de uso”, os quais abrangem matérias tão extensas como: i) qualificação e mensuração, ii) definição de vida útil, definição da quantia depreciável, iii) qualificação do resultado em caso de entrega do bem locado ao locador; iv) inclusão no regime do reinvestimento e v) sujeição a tributação autónoma, nos casos em que o ativo subjacente ao direito de uso seja uma viatura ligeira de passageiros.

Adicionalmente, conforme anteriormente referido, a IFRS 16 tem impactos fiscais decorrentes, entre outros aspetos, da tempestividade e quantitativo de encargos financeiros a reconhecer em cada exercício, do próprio conceito de gastos de financiamento líquidos (GFL) e, bem assim, do cálculo do EBITDA (relevante para aferição dos GFL aceites fiscalmente nos termos do artigo 67.º do Código do IRC).

Aproveitamos esta ocasião e o processo de discussão de mais um OE que se avizinha para, a bem da segurança jurídica, recordar que, para além da IFRS 16 acima comentada, a IFRS 15 (divulgada em 2014 e com aplicação a partir do ano de 2018) introduziu alterações relevantes em inúmeras indústrias, com consequências ao nível do momento do reconhecimento do rédito de vendas (e com o inerente impacto na determinação do resultado tributável), bem como ao nível das componentes contratuais suscetíveis de serem tratadas como rédito.

Esperemos que não se desperdice a quarta oportunidade para eliminar as incertezas jurídicas associadas à aproximação de perspetivas entre a contabilidade e a fiscalidade.

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