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Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado: matéria coletável uniforme

Mais de 40 anos após a criação do sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) está prestes a atingir o número-recorde de mil acórdãos em matéria deste imposto, o que, assumindo uma média de duas questões por cada reenvio prejudicial, se traduzirá em mais dois milhares de dúvidas interpretativas que o TJUE terá logrado clarificar (ou não).

2019 é também um ano especial pela introdução de um sistema de IVA em Angola, podendo seguir-se, num futuro próximo, a introdução de um modelo de IVA em Timor-Leste. É, por isso, um ano propício para um balanço do passado e uma reflexão sobre o futuro do imposto na Europa e, para o que nos importa, no mundo lusófono.

A respeito do binómio passado-futuro, é comum a classificação dos vários sistemas de IVA, atualmente adotados por mais de 166 países, em duas grandes categorias: o IVA Tradicional e o IVA Moderno. O primeiro grupo abarca os sistemas de IVA de pendor europeu, caracterizados pela aplicação de taxas múltiplas e por um catálogo mais ou menos extenso de isenções com caráter distorcivo (isenções incompletas, que não conferem o direito à dedução), ao passo que o segundo grupo engloba sistemas de IVA de taxa única e com um número de isenções reduzido e bem delimitado, caracterizados por uma redução significativa dos custos de cumprimento e de administração do imposto. Desta última perspetiva, poder-se-ia afirmar que um dos impostos indiretos mais modernos da história terá sido a Centesima rerum venalium, que era de César e que consistia na liquidação de 1% sobre as vendas em leilão.

Certamente, um nível elevado de densidade regulativa, traduzida na existência de várias normas excecionais (isenções), de diferentes taxas do imposto (com a implícita necessidade de manutenção de taxonomias coerentes), de mais de uma dezena de elementos de conexão nas regras de localização, faz do sistema comum do IVA um sistema normativo complexo. A essa complexidade acresce a vertente multinível, traduzida na articulação de cada um dos sistemas nacionais com o sistema comum. Não obstante, a ideia oposta, segundo a qual um sistema normativo com poucas normas seria sinónimo de simplicidade e modernidade, potenciando uma administração eficiente do imposto, também não é inteiramente verdadeira, porquanto a utilização de previsões genéricas poderá implicar uma maior discricionariedade por parte das administrações fiscais, a par do aumento da controvérsia fiscal.

Todavia, independentemente das atuais reformas do sistema comum do IVA, a grande revolução a que estamos a assistir, neste e noutros tributos, passa pela substituição das linguagens naturais pelas linguagens artificiais, fruto da implementação de sistemas de informação no cumprimento e na administração do imposto. As linguagens artificiais irão possibilitar uma reorganização de todo o conhecimento que fomos adquirindo sobre o imposto, com fonte nos enunciados normativos e nas mil decisões do TJUE, que formam uma extensa rede de inferências lógicas e raciocínios de ponderação. E como a base de toda a linguagem normativa, natural ou artificial, é a lógica formal, esta passará a assumir um papel ainda mais preponderante no dia-a-dia de qualquer profissional, de tal forma que a definição de Pedro Hispano continua a aplicar-se na sua plenitude: a lógica é a arte das artes e a ciência das ciências porque detém o caminho para chegar aos princípios de todos os métodos.

Quanto à implementação do IVA em Angola, como em qualquer reforma deste calibre, a busca pelo modelo perfeito assume as proporções de uma busca pelo Santo Graal da fiscalidade: a implementação de um imposto reditício, capaz de se gerir a si próprio, passando a fazer parte dos procedimentos standard das empresas. Uma forma de encarar a questão passa pela abordagem clássica do FMI, avaliando se os pré-requisitos de implementação se encontram verificados, a saber: um sistema fiscal simples, claro e estável, um serviço de cobrança eficiente, a simplicidade de procedimentos, um sistema de enforcement eficiente, a proporcionalidade das ações inspetivas, a existência de sanções efetivas e a qualidade da revisão judicial.

Assim, no caso de Angola, para além da referida abordagem clássica, tomando como referência o quadro regulativo e institucional para alcançar o modelo de IVA mais adequado, a introdução de mecanismos de cumprimento e administração do imposto baseados nas novas tecnologias (v.g., sistemas de faturação certificados e SAF-T) vem colmatar algumas insuficiências do sistema. Não obstante os tempos de mudança que também se avizinham na busca de um modelo de IVA para Timor-Leste e tomando em linha de conta todas as vantagens da digitalização na conceção de modelos tributários eficientes, impõe-se uma reflexão: não podemos esquecer que, de uma perspetiva financeira pública, o fundamento do sufrágio universal reside precisamente no chamamento de todos os cidadãos para a partilha de responsabilidades em matéria de angariação de receitas públicas. Nessa ótica, um sistema fiscal de pendor mecanicista não pode colocar de parte a importância da educação para a cidadania fiscal.

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