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Gastos de Financiamento Líquidos – Uma retrospetiva

Seguindo tendências internacionais, em 2013, foi introduzido em Portugal um regime específico de dedução dos gastos de financiamento líquidos (“GFL”), que, em traços gerais, limitou esta dedução no apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, ao maior de dois patamares: um valor absoluto, então Euro 3.000.000, ou 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, GFL e impostos (“EBITDA”).

Mediante um regime transitório, esta percentagem foi de 70% em 2013, com subsequente redução de 10 pontos percentuais por ano até 30% em 2017. Conforme o Relatório do Orçamento do Estado para 2013, o desiderato inerente à criação do regime dos GFL era a atenuação do designado “debt bias” e “corrigir gradualmente o excesso de endividamento no tecido empresarial português”, sem menção ao potencial alcance antiabusivo da norma. 

Dois eventos subsequentes introduziram alterações relevantes ao regime. Primeiramente, a Reforma do IRC de 2014 reduziu o patamar fixo de Euro 3.000.000 para Euro 1.000.000 e reformulou o conceito do EBTIDA, com alguma aproximação ao lucro tributável antes de depreciações e GFL. Por sua vez, a Diretiva Antielisão I (“ATAD I”), em linha com o desígnio do projeto BEPS da OCDE, configurou o regime dos GFL como uma medida antiabuso e, mediante a sua transposição, foi alargado o conceito de GFL e reformulada, novamente, a forma de cálculo do EBTIDA, que passou a seguir estritamente as regras de determinação do lucro tributável. 

A caminho do décimo ano de aplicação, o regime dos GFL é um dos elementos mais relevantes na determinação do lucro tributável. Com efeito, os gastos de financiamento foram, desde sempre, objeto de tratamento aprofundado em sede do lucro tributável, como fica patente pelas múltiplas normas que vigoram, ou vigoraram, no sistema tributário português, a saber: o regime da subcapitalização, o regime fiscal das SGPS, a limitação da taxa de juro aceite em financiamentos de sócios que não sejam partes relacionadas ou ainda a sindicância dos juros de financiamentos aplicados na aquisição de participações sociais através da norma geral de aceitação de gastos, constante do artigo 23.º do Código do IRC. 

À parte de justificáveis disposições antiabuso, não é, contudo, evidente o fundamento do tratamento gravoso dos juros em algumas das medidas referidas, porquanto estes gastos, mesmo que incorridos por razões económicas válidas e com termos e condições de mercado, não beneficiam de um tratamento neutro face a outras despesas com igual enquadramento empresarial, ainda que se diga ser este tratamento mais favorável do que o decorrente do financiamento por capitais próprios (o designado “debt bias”). Esta questão parece colocar-se com particular pertinência no regime dos GFL, cujo âmbito impacta igualmente o financiamento concedido por partes independentes e, por outro lado, é suscetível de criar uma limitação absoluta à dedução daqueles gastos por critérios sintéticos, ou seja, um mecanismo de preservação da base tributável antes de gastos de financiamento.

Será assim pertinente questionar se a configuração do regime dos GFL constante da ATAD I apresenta meramente um intuito antiabusivo, na linha do BEPS, ou se, a par, enceta um caminho mais amplo de reformulação das regras de determinação do lucro tributável quanto aos gastos de financiamento, com progressiva adoção de critérios sintéticos para este efeito. Só o tempo permitirá confirmar o caminho que se trilhou.

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