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Gastos de financiamento – evolução histórica e novos paradigmas

As normas relativas à dedução de gastos de financiamento para efeitos de determinação do lucro tributável em sede do IRC têm vindo a adotar critérios de natureza substantiva, a par de critérios formais, com crescente necessidade de avaliação pelo sujeito passivo de um conjunto vasto e complexo de informação.

Com efeito, podem distinguir-se no atual quadro normativo três gerações de normas com especial relevância para a dedução dos gastos de financiamento:

  • Uma primeira geração correspondente ao artigo 23.º do Código do IRC, o qual define um princípio geral de aceitação de gastos para efeitos do cômputo do lucro tributável. Embora não se concorde, na interpretação da AT, em diversos casos, esta norma tem resultado na não aceitação de gastos de financiamento incorridos relativamente a empréstimos empregues na aquisição de participações sociais, por se considerar que a “remuneração” da detenção das participações sociais, no caso dividendos ou mais-valias, não gera rendimentos tributados, quando seja aplicável o regime vulgarmente designado por “participation exemption”.
  • Uma segunda geração correspondente ao regime de preços de transferência, no qual se estabelece a necessidade de se praticarem termos e condições de mercado nas operações entre partes relacionadas, sob pena de correção do lucro tributável, tal como se as operações tivessem sido efetuadas de acordo com o princípio de plena concorrência.
  • Uma terceira geração de normas que restringe a dedução de gastos de financiamento em resultado de rácios sintéticos de natureza económica / contabilística, especificamente, numa primeira fase as normas de subcapitalização (limitação da dedução dos juros sobre a parte de endividamento excessivo face à relação entre passivo e capital próprio) e atual norma do artigo 67.º do Código do IRC (limitação da dedução dos gastos de financiamento líquidos na parte que exceda Euro 1 milhão ou, se superior, 30% do lucro tributável ajustado, dito “EBTIDA” fiscal).

O quadro normativo vigente resulta numa elevada sindicância quanto à dedução de gastos de financiamento e, frequentemente, no afastamento do apuramento do lucro tributável face ao desígnio da tributação, consagrado constitucionalmente, pelo “lucro real”, não obstante a obtenção de financiamento, salvaguardando situações de abuso fiscal, constituir-se como uma decisão legítima e de âmbito empresarial.

Em complemento ao atual quadro normativo perspetiva-se ainda, a breve prazo, a transposição para a legislação portuguesa da ATAD II (“Anti Tax Avoidance Directive”, diretiva europeia que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal), a qual terá impacto relevante na dedução de gastos de financiamento, entre outros. Em concreto, a ATAD II limitará a dedução de gastos relativamente a pagamentos transfronteiriços em situações qualificáveis como assimetrias híbridas de que resultem duplas deduções ou ainda dedução de gastos sem inclusão (“tributação”). O alcance da norma é vasto, nomeadamente se se considerar o efeito dos ditos híbridos importados e as suas implicações na dedução dos gastos de financiamento em Portugal, estando ainda previstas restrições quanto à dedução de tais gastos quanto a assimetrias de residência fiscal.

A ATAD II, tendencialmente, impõe a neutralização da assimetria por via da não dedução dos gastos de financiamento na esfera do pagador dos rendimentos, o que implicará na esfera destes sujeitos passivos um novo paradigma quanto à avaliação da dedutibilidade de tais. Com efeito, enquanto a aplicação das normas atuais depende essencialmente de elementos do próprio sujeito passivo, as disposições da ATAD II requererão a avaliação holística dos termos da operação subjacente ao financiamento obtido, bem como o conhecimento pelo sujeito passivo do tratamento fiscal dos rendimentos na contraparte da operação, ou, no limite, ao longo de toda a estrutura de financiamento e em cada uma das jurisdições aplicáveis.

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