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Direitos dos contribuintes – Uma “falácia”?

A área das garantias dos contribuintes é particularmente importante e sensível, especialmente para investidores estrangeiros que pretendem aferir se Portugal possui um sistema fiscal transparente e claro no que respeita a matérias, como por exemplo, a justiça tributária.

Quando se avalia um sistema fiscal na sua plenitude, é natural que a parte relativa aos direitos dos contribuintes e da justiça tributária seja um dos principais vetores que condicionam essa análise. Esta área é particularmente importante e sensível, especialmente para investidores estrangeiros que pretendem aferir se Portugal possui um sistema fiscal transparente e claro no que respeita a matérias, como por exemplo, a justiça tributária. 

De uma forma geral, poder-se-á dizer que a área da justiça tributária tem dado passos importantes nos últimos anos, nomeadamente em termos de celeridade das decisões através da criação do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), há já alguns anos, ainda que por vezes com múltiplas decisões contraditórias que não permitem inferir em que sentido a jurisprudência avança sobre determinados assuntos controvertidos.  Ao invés, se olharmos para o panorama dos tribunais administrativos e fiscais, aí o cenário é um pouco mais complexo, pois as decisões finais tendem a demorar bastante tempo (muitos anos por vezes), o que não abona a favor do sistema fiscal Português.

De qualquer forma, o que me faz neste momento escrever este artigo reside num conjunto particular de decisões que temos vindo a observar ao nível da justiça tributária que, salvo melhor opinião, indicia estarmos perante uma clara inobservância dos elementares direitos dos contribuintes.

Para ilustrar o que refiro, imaginem a seguinte situação: A empresa A, não residente em Portugal, entende que tem direito a pedir ao Estado Português uma restituição de um determinado valor de IRC que lhe foi retido na fonte sobre um rendimento auferido em Portugal (i.e. dividendos). Neste âmbito, a referida empresa A solicita o reembolso ao Estado Português, o qual foi indeferido.  Não conformada com essa situação, a empresa A reclama e, em última análise, acabada por interpor um recurso hierárquico (que é a última medida de recurso na fase administrativa antes de prosseguir para a via judicial) junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).  Até aqui, tudo bem e tudo normal.

O recurso hierárquico é interposto numa determinada data (dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito) e a AT acaba por indeferir o mesmo cerca de 13 meses após a interposição do mesmo. No entanto, a AT deveria, nos termos da lei, ter proferido uma decisão nos 60 dias seguintes ao da interposição do recurso hierárquico, tal como previsto no nº 5 do artigo 66º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).  Quem anda nestas “lides profissionais” sabe que muito raramente, a AT emite uma decisão sobre um recurso hierárquico naquele prazo (i.e. 60 dias), o que é compreensível e normal, atendendo, muitas vezes, à complexidade das matérias em análise.  De qualquer forma, os contribuintes podem assumir, querendo, que findo esse prazo que o recurso foi tacitamente indeferido, e nos três meses seguintes poderão interpor uma ação judicial junto do tribunal competente.  Ou seja, é uma faculdade que é dada aos contribuintes de acelerar o recurso à via judicial sem que necessariamente tenham de aguardar pela decisão formal e expressa da AT.

Alternativamente, podem aguardar pela decisão da AT ao recurso interposto e recorrer à via judicial após esse facto e, igualmente, no prazo de três meses.

Na situação que estou a relatar, a AT indeferiu o recurso hierárquico e quando notificou o contribuinte não residente desse facto referiu o seguinte: “Fica ainda notificado de que deste despacho [i.e. o despacho de indeferimento do recurso] pode interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do art. 50º e da al. b) do n.º 1 do art. 58 ambos do Código do Processo nos Tribunais Administrativos. 

Neste contexto, foi interposta uma impugnação dos atos administrativos no prazo estabelecido e expressamente notificado pela AT.

Contudo, e porque esta situação tem vindo a acontecer com regularidade, temos vindo a constatar que os Tribunais Tributários de 1ª instância, assentes numa réplica produzida pela AT, entendem que nestes casos o prazo de três meses anteriormente referido para que esta impugnação dos atos administrativos pudesse ser interposta termina quando o ocorrer o primeiro dos seguintes factos:

 

a) Decurso do prazo legal da decisão de recurso; ou
b) Notificação da decisão proferida   
 

Entende o Tribunal, coadjuvado pela AT, que se deve aplicar nestes casos a disciplina imposta no n.º 5 do artigo 69.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, que prevê expressamente a contagem dos prazos desta forma.  Deste modo, como o prazo legal para que a decisão de recurso fosse emitida era de 60 dias após a interposição do mesmo, o prazo para a impugnação expirou 3 meses após o decurso desse prazo (na prática, 5 meses após a interposição do recurso hierárquico).  Isto porque, neste caso, a decisão de recurso foi apenas notificada ao contribuinte 13 meses após a sua interposição.  Quer isto dizer, que quando o contribuinte recebeu a decisão de recurso já não teria possibilidade de recorrer para o tribunal.

Como corolário desta situação, a impugnação veio a ser, nesta fase, indeferida por intempestividade do ato.

Não querendo fazer uma grande dissertação teórica sobre a situação, apenas se dirá o seguinte:

 

e) Então uma notificação da AT que contempla os meios e prazos de reação não tem valor? É um documento que não deve ser valorado pelo Tribunal?
f) Onde fica o princípio da confiança e da legalidade entre AT e os contribuintes?
g) Existiu má fé?  Ou seja, a AT notifica um contribuinte dando-lhe um prazo para reagir para, mais tarde, vir dizer que afinal esse prazo não se aplica?
h) É esta a confiança no sistema fiscal que queremos passar a investidores internacionais? 
 

Mais perguntas se poderiam fazer, mas nesta fase deixei apenas este testemunho para memória futura e para que os decisores e atores desta “arena” possam refletir se é este o sistema fiscal que queremos ter e se é este o caminho que queremos percorrer.

Se assim for, é caso para perguntar as garantias dos contribuintes serão mesmo uma “falácia”?  Eu acredito que não, mas situações destas ajudam a criar essa ideia e, principalmente, junto de investidores estrangeiros que começam a olhar para Portugal com alguma desconfiança.

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