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Dilação de pagamentos ao dispor do tecido empresarial no contexto da pandemia – algumas considerações

Tendo em vista o combate aos efeitos económicos e financeiros nefastos causados pela contração da atividade empresarial decorrente da pandemia originada pela propagação do coronavírus (SARS-CoV-2), foram aprovados um conjunto de diplomas com medidas extraordinárias e de caráter urgente, em diversas áreas, que visaram, entre outros objetivos, dar algum “fôlego” à gestão de tesouraria do tecido empresarial português, nomeadamente através da dilação dos prazos de pagamento de algumas obrigações legais e contratuais.

Como é habitual, estas medidas destinam-se essencialmente às pequenas e médias empresas, tendo em consideração os requisitos de acesso impostos para cada uma daquelas medidas.

Neste contexto, destacamos desde logo o Despacho do SEAF n.º 104/2020-XXII, o qual alargou o prazo de entrega das prestações eventualmente devidas a título de Pagamentos Especiais por Conta (PEC) e Pagamentos por Conta (PC) e Pagamentos Adicionais por Conta (PAC), para os dias 30 de junho e 31 de agosto de 2020, respetivamente. Também o prazo de submissão da Modelo 22 do IRC relativa ao período de tributação de 2019 foi alargado para o dia 31 de julho de 2020.

Já o Decreto-Lei n.º 10-F/2020, de 26 de março, veio estabelecer um regime excecional e temporário que permite a dilação do cumprimento de obrigações fiscais e contributivas devidas no segundo trimestre de 2020. Concretamente, ao abrigo deste regime, a entrega do IVA e de retenções na fonte de IRS e IRC pode ser cumprida em 3 ou 6 prestações mensais, sem juros e sem necessidade de prestação de qualquer garantia. São elegíveis para este regime os sujeitos passivos (i) que tenham obtido um volume de negócios até 10 milhões de euros em 2018, (ii) cuja atividade se enquadre nos setores encerrados no contexto da emergência nacional, (iii) que tenham iniciado atividade em ou após 1 de janeiro de 2019, ou no caso de atividade reiniciada naquela data, que não tenham obtido volume de negócios em 2018, ou (iv) declarem e demonstrem uma diminuição da faturação comunicada através do E-fatura de, pelo menos, 20% na média dos três meses anteriores ao mês em que exista esta obrigação, face ao período homólogo do ano anterior.

Este diploma veio ainda estabelecer a possibilidade de as entidades empregadoras procederem, em determinadas condições (e.g., em função do número de empregados e da quebra de faturação), à entrega de 2/3 das contribuições para a Segurança Social (SS) a seu cargo, devidas nos meses de março, abril e maio, em 3 prestações iguais e sucessivas a serem pagas entre julho e setembro ou, em 6 prestações, nos meses de julho a dezembro de 2020, igualmente sem juros nem garantias bancárias.

Mais recentemente, o Despacho do SEAF n.º 153/2020-XXII, de 24 de abril, veio ainda determinar, entre outras medidas, que as Declarações Periódicas (DP) de IVA referentes aos meses de março e abril (no regime mensal) podem ser submetidas até aos próximos dias 18 de maio e de junho, respetivamente, e a DP de IVA, referente ao período trimestral de janeiro a março, poderá ser entregue até dia 22 de maio. Nestes casos, a entrega do imposto que resulte daquelas declarações poderá ser efetuada até ao dia 25 de cada mês, sem prejuízo de adesão ao suprarreferido regime de pagamento em prestações.

O referido Despacho alargou ainda, para os próximos dias 25 de maio e 25 de junho o prazo de entrega das retenções na fonte do IRS e do IRC, bem como as prestações de Imposto do Selo, relativas aos meses de abril e maio, respetivamente.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que adotou um conjunto de medidas tendo em vista, nomeadamente, a proteção das empresas nacionais, de forma a assegurar o reforço da sua tesouraria e liquidez, através do diferimento do cumprimento de obrigações dos beneficiários perante o sistema financeiro.

Em concreto, foram aprovadas as seguintes medidas de apoio, a vigorar até 30 de setembro de 2020, relativamente à exposição creditícia das Empresas junto de instituições do setor financeiro: (i) proibição da revogação das linhas de crédito contratadas e empréstimos concedidos; (ii) prorrogação, por um período igual ao prazo de vigência deste diploma, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato, juntamente, nos mesmos termos, com todos os seus elementos associados, incluindo juros, garantias, designadamente prestadas através de seguro ou em títulos de crédito; (iii) suspensão, relativamente a créditos com reembolso parcelar de capital ou com vencimento parcelar de outras prestações pecuniárias do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até 30 de setembro de 2020, sendo o plano contratual de pagamento das parcelas de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos estendido automaticamente por um período idêntico ao da suspensão, de forma a garantir que não haja outros encargos para além dos que possam decorrer da variabilidade da taxa de juro de referência subjacente ao contrato, sendo igualmente prolongados todos os elementos associados aos contratos abrangidos pela medida, incluindo garantias.

Genericamente (sem prejuízo dos demais requisitos aplicáveis), são elegíveis para este regime as entidades que (i) tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal, (ii) no caso de empresas que integram o setor financeiro, estas terão de qualificar como microempresas, pequenas ou médias empresas, (iii) não estejam, a 18 de março de 2020, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de 90 dias junto das instituições, (iv) tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da SS, não relevando até ao dia 30 de abril de 2020, para este efeito, as dívidas constituídas no mês de março de 2020.

Em sede de Imposto de Selo (IS), surgiram algumas dúvidas sobre quais as implicações deste regime, nomeadamente ao nível das prorrogações ou suspensões dos contratos elegíveis. Neste contexto foi publicada a Circular n.º 6/2020, a qual veio clarificar que:

  1. as prorrogações operadas nos termos deste regime, deverão ser tratadas, para efeitos de IS, como uma alteração do prazo inicial do contrato com efeitos retroativos (“ex tunc”), sendo, como tal, apenas devida nova liquidação deste imposto quando ao novo prazo corresponder uma taxa superior à taxa devida pelo prazo originário contratado;  
  2. nos créditos com prazo de utilização determinado ou determinável, as suspensões operadas ao abrigo do diploma em referência, deverão ser tratadas para efeitos de IS como uma alteração do prazo inicial do contrato, com efeitos retroativos (“ex tunc”), sendo, como tal, apenas devido imposto quando ao novo prazo corresponder uma taxa superior à taxa correspondente ao prazo originário;
  3. nos créditos com prazo de utilização determinado ou determinável, a capitalização dos juros vencidos durante o período da prorrogação não deverá dar lugar a novo IS; e
  4. a prorrogação das garantias não deverá estar sujeita a IS, na medida em que sejam materialmente acessórias dos contratos prorrogados neste âmbito.

Finalmente, e através da publicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, foi estabelecido um regime excecional para as situações de “mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional”, onde se estabelece que os arrendatários que cumpram determinados requisitos ficam autorizados a suspender o pagamento das rendas vencidas após 1 de abril de 2020, nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, podendo diferir o respetivo pagamento pelos 12 meses seguintes ao fim desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês. No que respeita concretamente aos arrendamentos não habitacionais (incluindo outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais), o regime é aplicável aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas por determinação legislativa ou administrativa no contexto da atual situação de emergência nacional, incluindo nos casos em que tais estabelecimentos mantenham as suas atividades através de plataformas eletrónicas. Também os estabelecimentos de restauração e similares que mantenham a sua atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio (“take away”), poderão beneficiar do regime em causa.

Naturalmente, esta suspensão no pagamento das rendas não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção dos contratos arrendamento, nem como fundamento de obrigação de desocupação dos imóveis, não sendo igualmente exigível o pagamento quaisquer penalidades que tenham por base a mora no pagamento dessas rendas, por via do respetivo diferimento.

Não obstante este pacote legislativo tentar ir ao encontro das debilidades de tesouraria que sente o tecido empresarial português em face do abrandamento económico imposto pela situação de emergência nacional, fica a dúvida se o Governo poderia ter ido mais longe. Veja-se o caso do diferimento das obrigações fiscais: apesar de ser positivo retardar o cumprimento destas obrigações, estas acabarão, no curto prazo, por ter de ser cumpridas e os correspondentes impostos liquidados, pelo que poderão não surtir os efeitos benéficos em termos de disponibilidades de tesouraria que se ambicionam, mesmo uma vez terminado o estado de emergência nacional. Talvez um maior prazo para liquidar os tributos pudesse ter sido considerado, em face do expectável período de retoma económica. Por outro lado, o facto de o regime da moratória ao arrendamento apenas se aplicar às empresas que se viram obrigadas a encerrar os seus estabelecimentos comerciais, pode vir a restringir o âmbito da aplicação desta medida. De facto, a quebra da atividade económica afeta a generalidade do tecido empresarial português (salvo as devidas exceções), pelo que este regime poderia ser mais abrangente, no sentido de incluir, ao nível dos contratos de arrendamento não habitacionais, todos os arrendatários que (pelo menos) registem uma quebra significativa no seu volume de faturação.

Ficam as ideias para uma eventual reponderação por parte de quem decide.

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