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Destacamentos internacionais “virtuais”

A aceleração da tendência de flexibilização das novas formas de trabalho e do trabalho “em qualquer lado” coloca múltiplos desafios às empresas e requer uma gestão proativa do risco, ao mesmo tempo que oferece significativas oportunidades de transformação dos modelos de negócio para as organizações.

De acordo com um estudo divulgado pela EY e o The RES Forum em junho de 2020, sobre o impacto do COVID-19 na Mobilidade Internacional, cerca de 82% dos participantes do estudo responderam que esperavam um aumento – moderado a significativo – no trabalho remoto e no número de destacamentos virtuais.

Com efeito, quando a pandemia se instalou e se colocaram restrições às viagens internacionais, assistimos a um conjunto de situações novas em matéria de mobilidade internacional:

  • Colaboradores que foram temporariamente repatriados ou se deslocaram para um destino diferente – mas continuaram a trabalhar para a mesma entidade que no período pré-pandemia;
  • Colaboradores que não puderam viajar para o país de destino na data prevista para o início do destacamento, mas iniciaram as suas novas funções no âmbito do acordo de destacamento, ainda no país de origem;
  • Dificuldade de as empresas controlarem, em alguns casos, onde é que os colaboradores se encontravam fisicamente a trabalhar.

À medida que a fase de desconfinamento progride, e as restrições às viagens internacionais são suavizadas, continuamos a assistir a vários pedidos por parte de colaboradores para continuarem a trabalhar remotamente e, muitas vezes, as empresas assumem que é possível trabalhar em qualquer lado, sem se aperceberem dos riscos e formalidades que é necessário implementar para assegurar o cumprimento das respetivas obrigações regulatórias e fiscais.

Antes de analisarmos as implicações fiscais, parafiscais e migratórias decorrentes dos destacamentos internacionais virtuais, é importante definirmos de que se trata quando falamos em destacamentos desta natureza e quais os respetivos benefícios e desafios.

Num destacamento virtual, um colaborador não se desloca fisicamente do seu habitual local de trabalho e atinge os objetivos definidos no programa de destacamento internacional a trabalhar para a entidade do país de destino a partir do seu país de origem.

Os benefícios decorrentes dos destacamentos internacionais virtuais são os mais diversos: assegurar a continuidade do negócio; alargar a pool de candidatos a pessoas que, por motivos pessoais ou de outra natureza, não se poderiam deslocar fisicamente; diminuir os custos da mobilidade internacional; minimizar o impacto na vida pessoal dos expatriados, nomeadamente respondendo a questões relacionadas com carreira duais ou educação dos filhos; atrair novos talentos e endereçar temas relacionados com diversidade e inclusão. Como principais desafios, de salientar que nem todos os trabalhos podem ser executados remotamente; o impacto na colaboração e adaptação intercultural, bem como as dificuldades causadas pelas diferenças nos fusos horários; maior dificuldade na integração dos colaboradores nos países de destino, nomeadamente no caso de estes aí não disporem de qualquer rede de contactos; custos acrescidos no caso de os colaboradores virtuais estarem localizados em jurisdições com um elevado custo de vida e tributário (por comparação à deslocação para países de destino com um custo de vida mais baixo); múltiplos riscos associados ao cumprimento de obrigações regulatórias e fiscais.

Tipicamente o pacote de compensação e benefícios que é oferecido nos destacamentos internacionais virtuais é reduzido, podendo abranger um ou mais dos seguintes: apoio na área migratória nas viagens de negócio para o país no qual se situa a entidade para o qual se executa o trabalho; reembolso de custos de viagem e alojamento, se as mesmas vierem a ocorrer; subsídio em dinheiro para fazer face a eventuais gastos acrescidos de trabalhar a partir de casa; tecnologia; cuidados de saúde e apoio familiar, entre outros.

Não obstante os inegáveis benefícios associados aos destacamentos internacionais virtuais, do ponto de vista tributário e migratório estes revestem-se de uma significativa complexidade (contrastando com a simplicidade operacional dos mesmos).

Desde logo, importa analisar quais as funções que serão desempenhadas pelo colaborador e, dependendo do caso, verificar se existe o risco de direção efetiva ou estabelecimento estável da entidade para a qual o colaborador está a trabalhar, no país onde este trabalha e reside (por exemplo, em Portugal). Com efeito, por um lado, haverá que analisar se as funções desempenhadas poderão considerar-se atividades preparatórias ou auxiliares, excluídas do conceito de estabelecimento estável - no caso português, conforme previsto no nº7 do artigo 5º do Código do IRC e na generalidade das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal. Por outro lado, no que se refere à relevância do trabalho a partir de casa, nomeadamente no que respeita à instalação fixa e caráter de permanência, importa atender aos comentários à Convenção Modelo da OCDE, que estabelecem orientações para a interpretação da referida Convenção, nos termos dos quais “Apesar de parte da atividade da empresa poder ser exercida num local como um home office de determinado indivíduo, não deverá ser automaticamente concluído que tal local está ao dispor da empresa, simplesmente porque tal local é usado por um colaborador desta”. Contudo, “quando o home office for usado numa base contínua para exercer uma atividade para uma empresa, e é claro pelos factos e circunstâncias que a empresa pediu ao indivíduo para usar esse local para exercer a sua atividade (…) esse home office deverá ser considerado como estando ao dispor da empresa”. É ainda relevante saber se o colaborador tem poderes para assinar, celebrar ou materialmente concluir contratos em nome da entidade para a qual está a trabalhar.

Outro aspeto a considerar é o país onde são devidas as contribuições para a Segurança Social, já que os destacamentos internacionais virtuais não são abrangidos pelas disposições dos Regulamentos Comunitários ou dos acordos multi-laterais ou bilaterais em matéria de Segurança Social, o que poderá conduzir à conclusão que deve ser aplicada a legislação do Estado em que o colaborador se encontra fisicamente a exercer sua atividade (por exemplo, em Portugal).

Já em matéria de impostos sobre o rendimento, a residência fiscal, na generalidade dos casos, é determinada pela presença física do trabalhador, pelo que a mesma não é afetada pelos destacamentos internacionais virtuais. Tal facto, nomeadamente, caso o processamento salarial seja efetuado pela entidade do país para o qual o colaborador está a trabalhar, pode introduzir complexidade ao nível de questões relacionadas com retenção na fonte, entre outras.

Por último em matéria migratória, há que ter em consideração a necessidade (ou não) de obtenção de vistos ou autorizações caso ocorram viagens de negócios ao país onde se situa a entidade empregadora.

Tendo em conta o exposto, dado que num destacamento internacional virtual, tudo o resto é real (as pessoas, as empresas, e os impostos e contribuições) as empresas devem rever o tratamento que é dado a estas situações e aferir a necessidade de introduzir políticas e ferramentas para gerir o risco de uma forma proativa.

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