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Dedução do IVA – Quando a materialidade nasce da formalidade

IVA, TJUE, direito à dedução, neutralidade fiscal, autoliquidação, prática abusiva.

No caso referente ao processo C-281/20 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a entidade Ferimet SL (Ferimet) adquiriu sucata a um fornecedor e procedeu à entrega do IVA através do mecanismo de autoliquidação, tendo procedido à autofaturação da operação e deduzido o IVA autoliquidado.

Na sequência de uma inspeção, as autoridades fiscais espanholas concluíram que o fornecedor não tinha os recursos humanos e técnicos necessários para efetuar a venda da sucata. As autoridades consideraram, então, que a transação era fraudulenta e que o verdadeiro fornecedor tinha sido deliberadamente omitido, negando assim o direito à dedução do IVA.

Em sua defesa, a Ferimet alegou que 1) a aquisição da sucata não tinha sido questionada; 2) a menção de um fornecedor fictício na fatura é uma questão meramente formal, uma vez que a aquisição ocorreu efetivamente e; 3) o direito à dedução do IVA não pode ser negado quando se prove a existência da transação e seja assegurada, através do mecanismo da autoliquidação, a entrega do imposto devido ao Estado sem que sejam obtidas vantagens fiscais pelo sujeito passivo.

Já em sede de reenvio prejudicial, o TJUE refere primeiramente que o direito à dedução do IVA está sujeito ao cumprimento de requisitos tanto materiais como formais. No que se refere aos requisitos materiais, o artigo 168.º, alínea a) da Diretiva IVA exige que o interessado seja um “sujeito passivo” na aceção da referida diretiva e que os bens invocados para basear o direito à dedução do IVA sejam entregues por outro sujeito passivo a montante e que, a jusante, esses bens sejam utilizados pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas.

Apesar de entender que o adquirente em questão não está obrigado a possuir uma fatura que cumpra com os requisitos formais da Diretiva IVA para poder exercer o seu direito à dedução - e que a indicação do fornecedor na fatura constitui um requisito formal do exercício desse direito – O TJUE afirma que a Ferimet mencionou deliberadamente um fornecedor fictício na fatura, impedido as autoridades fiscais de identificar o verdadeiro fornecedor e, portanto, de estabelecer a qualidade de sujeito passivo deste último como requisito material do direito à dedução do IVA.

Ou seja, o TJUE considera que o direito à dedução do IVA deve ser recusado se os dados necessários para verificar que o fornecedor dos bens tinha a qualidade de sujeito passivo estiverem em falta ou se estiver suficientemente demonstrado que a Ferimet sabia que a operação invocada para basear esse direito estava envolvida numa fraude ao IVA (uma vez que envolve um fornecedor fictício). 

Por outro lado, o TJUE entende que a constatação de um risco de perda de receitas fiscais não é necessária para fundamentar a recusa do direito à dedução e que, para esse efeito, é indiferente que a operação em causa tenha ou não conferido uma vantagem fiscal ao sujeito passivo ou a outros intervenientes na cadeia de entregas. 

O TJUE conclui que a Diretiva IVA, lida em conjugação com o princípio da neutralidade fiscal, deve ser interpretada no sentido de que deve ser recusado a um sujeito passivo o exercício do direito à dedução do IVA relativo à aquisição de bens que lhe foram entregues, quando esse sujeito passivo tenha mencionado deliberadamente um fornecedor fictício na fatura que ele próprio emitiu em relação a essa operação no âmbito da aplicação do regime de autoliquidação, se, tendo em conta as circunstâncias factuais e os elementos de facto, fornecidos pelo referido sujeito passivo, os dados necessários para verificar que o verdadeiro fornecedor tinha a qualidade de sujeito passivo estiverem em falta ou se estiver suficientemente demonstrado que o referido sujeito passivo cometeu uma fraude ao IVA, ou sabia, ou devia saber, que a operação invocada para basear o direito à dedução estava envolvida nessa fraude.

Em suma, esta posição mais recente do TJUE deve servir de alerta aos sujeitos passivos que, deliberadamente ou negligentemente, descurem as suas obrigações formais no exercício do direito à dedução do IVA, na medida em que essas obrigações podem-se concretizar em verdadeiros requisitos materiais que não podem ser sanados pela simples aplicação do princípio da neutralidade fiscal.

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