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As regularizações de IVA decorrentes do Acordo entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica – Hawk-Eye!

No processo n.º 216/2023-T, o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pronunciou-se acerca das regularizações de IVA decorrentes do Acordo entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica, num caso que confere maiores garantias às entidades do sector farmacêutico

No acórdão referente ao processo nº 216/2023-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), verificamos um litígio entre uma sociedade por quotas de direito Português pertencente à indústria farmacêutica (entidade Requerente) e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), quanto às regularizações de IVA decorrentes do Acordo celebrado entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica.

Em 2012 o Estado Português e a Indústria Farmacêutica iniciaram um processo de colaboração com vista à celebração de protocolos/acordos que permitam garantir (i) a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e (ii) o acesso dos cidadãos aos medicamentos.

A entidade Requerente deste processo, fez parte do agrupamento de empresas do sector farmacêutico que aderiu à celebração de tais acordos, tendo estes acordos sido renovados ao longo dos anos seguintes.

Em termos práticos, as entidades que aderiram aos referidos acordos, contribuíram trimestralmente na proporção da quota de mercado do ano anterior, mediante a emissão de de notas de crédito em benefício das entidades do SNS de modo a compensar/liquidar as faturas mais antigas anteriormente emitidas a estas entidades.  

Quer isto dizer, que através deste mecanismo, as entidades do SNS diminuem a sua dívida às empresas farmacêuticas fornecedoras dos medicamentos.

Para o efeito, a entidade Requerente procedeu então à emissão de notas de crédito com IVA fazendo referência ao acordo, quer às faturas a que dizem respeito.

Desta forma, e tendo em consideração que se está perante a redução de um preço inicialmente praticado, existindo uma alteração do valor tributável e do valor do imposto que será devido ao Estado, a entidade Requerente considerou as notas de crédito emitidas nas suas declarações periódicas de IVA, nomeadamente regularizando o IVA a seu favor no respetivo campo 40.

A entidade Requerente foi então objeto de um procedimento inspetivo ao exercício tributável de 2018, tendo sido propostas correções em sede de IVA.

As correções apuradas pela AT, respeitam ao IVA regularizado a favor da entidade Requerente, resultante das notas de crédito emitidas no âmbito do acordo com o Estado Português em vigor durante aquele ano. Entende a AT, que com a regularização do IVA a favor da entidade Requerente, a operação configura um abatimento ao valor das suas vendas, podendo esta recuperar a parte do IVA liquidado.

Ou seja, com a utilização deste mecanismo, conclui a AT que a entidade Requerente reverte a seu favor, sob a forma de crédito de imposto, uma parte do valor da contribuição (correspondente ao valor do IVA) que deveria entregar ao Estado.

Adicionalmente, acrescenta ainda que a contribuição financeira devida pelos aderentes ao acordo, não constitui a contrapartida de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, tal como definidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA e, por conseguinte, trata-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto.

A entidade Requerente não se conformando com a decisão da AT, procedeu à submissão de um direito de audição, contudo, não obteve o devido acolhimento. Posto isto, decidiu transitar o caso para o CAAD, com vista a que os seus argumentos pudessem merecer um olhar mais profundo desta instância.

Em primeiro lugar, o CAAD começa por determinar que o presente acordo se reveste de uma vontade plurilateral, por meio dos quais as empresas da Indústria Farmacêutica que assim o pretendam, se comprometem a colaborar com o Estado para atingir os objetivos orçamentais de despesa pública com medicamentos, mediante determinados pagamentos, em contrapartida da expetativa de verem as dívidas hospitalares incorridas pelas entidades do SNS com a aquisição de medicamentos às empresas aderentes, pagas.

Posteriormente, constata o CAAD que as regras de liquidação e pagamento desta contribuição determinam que o pagamento é realizado mediante a emissão de notas de crédito ou por transferência bancária, não existindo qualquer intervenção da AT na sua liquidação, e acrescenta que há uma efetiva diminuição do valor tributável da operação e uma redução do montante em dívida pelas entidades do SNS adquirentes dos fármacos, ainda que tal diminuição decorra da circunstância dos sujeitos passivos estarem contratualmente vinculados ao pagamento de um montante intitulado de “Contribuição”, o certo é que substantivamente se está perante uma efetiva redução do valor a ser pago pelas entidades do SNS, o que não pode deixar de ter relevância em sede de IVA.

Com vista à formulação da decisão final, o CAAD remete ainda para a opinião de diversos autores, no qual se conclui que no caso em análise está-se perante transmissões de bens, sendo a respetiva contrapartida o preço pago descontado dos valores acordados relativos às notas de crédito emitidas. Neste âmbito, constata que esta é a realidade material em causa, e não interessando para o efeito, que esteja em causa o pagamento de uma contribuição, independentemente da natureza que esta assuma e do mecanismo adotado para o efeito.

Acrescenta ainda, que à luz do princípio da substância sobre a forma, do princípio da neutralidade próprio do regime do IVA e das regras inerentes ao mesmo, previstas nos artigos 73.º e 90.º do Diretiva IVA, de que não é correta a posição da AT ao indicar que tal contribuição não configura uma prestação de serviços ou transmissão de bens e que corresponda a uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto.

Por último, o CAAD invoca ainda a jurisprudência comunitária, vertida nos casos BOEHRINGER INGELHEIM (C-717/19) e BOEHRINGER INGELHEIM PHARMA (C-462/16), e refere que a presente decisão deverá convergir com as decisões adotadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, i.e. que deve ser garantido o direito a proceder com a regularização do IVA constante das notas de crédito emitidas ao abrigo do acordo.

Neste sentido, o CAAD conclui que não assiste razão à AT no caso em análise, devendo as correções de IVA aplicadas pela AT ser devidamente anuladas.

A presente decisão, possivelmente aguardada por muitas das empresas do sector farmacêutico, acaba por tomar um papel determinante no que respeita ao tratamento conferido em sede de IVA das regularizações decorrentes dos referidos acordos, na medida em que finalmente foi possível obter uma posição esclarecedora, em linha com a jurisprudência comunitária, e comprovando que este tipo de procedimento efetuado pela entidade Requerente encontra-se em conformidade com os normativos definidos no Código do IVA.

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