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A transparência fiscal e o imobiliário

O regime de transparência fiscal, consagrado no artigo 6.º do Código do IRC, existe há muitos anos e, relativamente ao setor imobiliário, onde tem havido e continuam a existir muitos investimentos, afigura-se um aspeto relevante a considerar.

Nos termos do referido artigo, entre outras situações, são abrangidas pelo regime de transparência fiscal as “sociedades de simples administração de bens”, quando:

  • A maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar; ou
  • O capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

O mesmo artigo vem, ainda, esclarecer que uma “sociedade de simples administração de bens” é uma sociedade “(…) que limita a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras atividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos”.

Esta temática é, particularmente, pertinente no caso do arrendamento de bens imóveis, nomeadamente, se esse arrendamento não for acompanhado da prestação de serviços associados ao imóvel e que vão além da mera manutenção, reparação ou realização de benfeitorias.

Uma “sociedade de simples administração de bens”, sujeita ao regime de transparência fiscal, não é sujeita a IRC, exceto relativamente na parte respeitante a tributações autónomas. Na prática, a matéria coletável, apurada nos termos do Código do IRC, será imputada aos sócios na respetiva proporção do capital que, sendo não residentes, são considerados como obtidos através de um estabelecimento estável em território português.

A aplicação do regime de transparência fiscal a uma sociedade resulta em várias consequências, designadamente: (i) não pode integrar um grupo ao qual seja aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), (ii) não aplicação do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 73.º e seguintes do Código do IRC relativamente a operações em que a sociedade seja interveniente, (iii) não aplicação da dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos prediais obtidos.

Por outro lado, suscita-se a questão sobre a tributação dos sócios (pessoas coletivas) relativamente aos dividendos distribuídos pela “sociedade de simples administração de bens” sujeita ao regime de transparência fiscal, bem como relativamente às mais-valias decorrentes da sua alienação. Sobre estes aspetos, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio recentemente emitir um entendimento no seguinte sentido:

  • Os dividendos distribuídos, relativamente a lucros obtidos durante a aplicação do regime de transparência fiscal, não lhes sendo aplicável o artigo 51.º do Código do IRC (i.e., eliminação da dupla tributação económica – “participation exemption”), não estão sujeitos a tributação em IRC na esfera dos sócios, uma vez que tais lucros já foram tributados no momento da imputação da matéria coletável (em linha com o que se encontra especificamente previsto no Código do IRS);
  • No que concerne às mais-valias, não se aplica o artigo 51.º-C do Código do IRC (i.e., não tributação das mais-valias realizadas na transmissão de partes de capital), sendo as mesmas sujeitas a tributação de acordo com as regras gerais.

Na situação particular das mais-valias, e compreendendo o entendimento da AT face à atual redação da Lei, não deveria ser esquecido o mais que possível paralelismo com o previsto no artigo 66.º do Código do IRC (v.g., regras de CFC na gíria internacional, muitas vezes apelidadas de “transparência fiscal internacional”), bem como no artigo 81.º do mesmo diploma.

No primeiro caso, e em resultado da Reforma do IRC ocorrida em 2014, o legislador entendeu (e bem) introduzir uma norma que mitiga a dupla tributação no caso da alienação da subsidiária estrangeira sujeita às regras de CFC, ou seja, é dedutível ao valor de realização os valores que o contribuinte (sócio) prove terem sido imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de períodos de tributação anteriores, na parte em que os mesmos não tenham sido ainda distribuídos. De facto, podem estar embutidos na mais-valia, realizada aquando da alienação, os lucros que uma sociedade realizou, mas que ainda não distribuiu aos sócios, sendo que no caso das “sociedades de simples administração de bens” sujeitas ao regime de transparência fiscal tais lucros terão já sido imputados e tributados na esfera dos sócios.

No segundo caso, embora não se trate de mais-valias decorrentes da transmissão onerosa, mas ainda assim qualificadas como mais-valias, o artigo 81.º do Código do IRC prevê que ao valor que seja atribuído aos sócios de sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal em virtude da partilha, “(…) é abatida a parte do resultado de liquidação que, para efeitos de tributação, lhes tenha sido já imputada, assim como a parte que lhes corresponder nos lucros retidos na sociedade nos períodos de tributação em que esta tenha estado sujeita àquele regime”. Mais uma vez, esta norma visa eliminar a dupla tributação.

Face ao exposto, seria de todo conveniente considerar uma alteração ao artigo 6.º do Código do IRC, no sentido de – aliás, à semelhança das regras previstas nos artigos 66.º e 81.º do mesmo diploma – permitir uma correção (dedução), para efeitos de apuramento de mais-valias ao nível dos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, no montante dos lucros já imputados aos sócios mas ainda não distribuídos.

Em termos práticos, a transparência fiscal poderá ser ultrapassada, regra geral, e quando não se verifique o controlo por um grupo familiar, mediante a existência de 6 ou mais sócios na “sociedade de simples administração de bens”. A este respeito, afigura-se desproporcionado a exigência de que basta apenas haver menos de 6 sócios durante um dia no ano. A ser assim, deveria ser no último dia do ano (onde se verifica o facto gerador do imposto) ou, tal como se verifica relativamente ao grupo familiar e se afigura mais correto, que a sociedade tivesse menos de 6 sócios durante a maioria do período de tributação.

Finalmente, face à realidade em que vivemos, bem como ao facto de que o regime de transparência fiscal foi introduzido há mais de 30 anos como intuito anti-abuso e de eliminação da dupla tributação (relativamente à qual existem hoje mecanismos eficazes), afigura-se que, pelo menos relativamente às “sociedades de simples administração de bens”, o regime de transparência fiscal fosse tornado facultativo, mediante opção, e não obrigatório, como sucede atualmente.

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