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A “retroatividade tangível” na dedução dos intangíveis

Uma das grandes alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, então popularmente apelidada por “Reforma do IRC”, foi, sem dúvida, a possibilidade de deduzir, para efeitos fiscais, o valor de aquisição dos ativos intangíveis reconhecidos autonomamente na contabilidade.

Esta alteração foi particularmente relevante no que concerne (i) aos elementos da propriedade industrial – tais como marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados – adquiridos a título oneroso e sem vigência temporal limitada (caso contrário, poderiam ser amortizados nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro) e (ii) ao goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais (exceto se respeitante a partes de capital).

Assim, no caso de se aplicável a dedução prevista no então aditado artigo 45.º-A do código do IRC, passou a ser aceite como como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição de tais ativos intangíveis.

Desde logo, a dedução fiscal ficou limitada aos ativos intangíveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014, tendo a mesma sido vedada no caso de ativos intangíveis adquiridos (i) no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, quando seja aplicado o regime especial de neutralidade fiscal ou (ii) a entidades residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Ora, volvidos apenas 5 anos, o legislador pondera – através da redação constante da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019 (“PLOE 2019”) – introduzir mais uma (e deveras importante) limitação à dedução do gasto de aquisição dos referidos ativos intangíveis. Efetivamente, encontra-se em discussão uma disposição que, se aprovada, não permitirá a dedução do gasto, para efeitos fiscais, quando os ativos intangíveis em causa sejam adquiridos a entidades com as quais existam relações especiais nos termos definidos para as regras de preços de transferência.

Caso esta limitação venha a ser introduzida, operar-se-á uma discriminação relativamente às aquisições de ativos intangíveis entre entidades relacionadas, o que se afigura ser, à semelhança de muitas outras, uma norma anti abuso totalmente cega. Se, por um lado, as transações entre partes relacionadas devem respeitar as condições de mercado e de plena concorrência, sendo tributáveis os ganhos na alienação de ativos intangíveis (sem possibilidade de beneficiar do regime de reinvestimento do valor de realização, o que já se revela como uma desvantagem face a uma transação entre partes não relacionadas), por outro lado, tal norma inviabiliza a dedução fiscal na esfera da entidade adquirente (mais uma vez, resultando numa desvantagem face a uma transação entre partes não relacionadas).

É verdade que várias foram as transações desta natureza efetuadas nos últimos quase 5 anos e que, em substância, apenas visaram o aproveitamento e refrescamento de prejuízos fiscais. Contudo, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tem outros mecanismos para atuar e efetuar as correções que se revelem aplicáveis, não sendo necessário, e muito menos desejável, uma norma completamente desproporcional e que coloca em causa uma dedução fiscal só pela simples razão das partes intervenientes serem entidades relacionadas, ignorando por completo a substância económica da transação.

Refira-se que, em muitos casos, esta dedução tem funcionado como um importante incentivo para trazer para Portugal muitos ativos intangíveis que, de outra forma, continuariam a ser detidos por entidades estrangeiras que receberiam royalties das empresas portuguesas.

Mas se a eventual introdução da mencionada limitação já é uma péssima notícia, o pior mesmo é não se encontrar previsto um regime transitório, por exemplo, referindo expressamente que a nova limitação – caso a mesma venha a ser aprovada – apenas se aplica às aquisições (a partes relacionadas) de ativos intangíveis em ou a partir de 1 de janeiro de 2019. Na ausência de tal regime transitório, certamente veremos nos próximos anos uma escalada na litigância entre a AT e os contribuintes, porquanto, a AT poderá (previsivelmente) vir a entender que a nova limitação tanto se aplica nas situações já existentes como nas futuras aquisições de ativos intangíveis.

Por conseguinte, espera-se (talvez ingenuamente) que na discussão da PLOE 2019 na especialidade a referida limitação não venha a ser sequer aprovada, sob pena de representar uma clara discriminação relativamente às transações entre partes relacionadas. A não ser assim, pelo menos deverá assegura-se que a alteração legislativa não tenha efeitos retroativos, para evitar ferir irremediavelmente a legítima espectativa dos contribuintes que atuaram em estrito cumprimento com a lei vigente.

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