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A fiscalidade indireta na gestão de frotas empresariais – o Green Deal da União Europeia, oportunidades e desafios

A realidade não é recente. São inúmeros os casos de empresas ou grupos empresariais em Portugal que utilizam frotas automóveis para a satisfação das suas necessidades de mobilidade, dos seus negócios, ou mesmo enquanto componente remuneratória dos seus colaboradores.

A gestão eficiente destas frotas automóveis afigura-se, assim, um aspeto fundamental para a boa saúde financeira empresarial, para além do impacto que assumem na pegada de carbono das organizações. Debrucemo-nos, em concreto, sobre a perspetiva da fiscalidade indireta. Longe vão os tempos em que a principal preocupação fiscal associada à gestão de uma frota automóvel se prendia, única e exclusivamente, com a possibilidade de dedução do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) na aquisição de viaturas ditas “comerciais” ou de turismo, ou mesmo da otimização do IVA na celebração de contratos de locação multisserviços. As crises financeiras recentes obrigaram as empresas a reagir em conformidade, não só em termos fiscais, como, inclusivamente na gestão da tipologia das suas frotas automóveis. Observaram-se então no mercado fenómenos de downsizing de gama das frotas empresariais, alterações na procura de soluções mais económicas, redução de extras tipicamente associados às viaturas de turismo, tais como sistema mãos livres, rádio e ar condicionado, ou mesmo, em alguns casos, estratégias de gestão integrada de frotas automóveis numa perspetiva ibérica, em empresas com presença simultânea em Portugal e Espanha. Agora, o desafio afigura-se ser outro e porventura de uma envergadura muito maior e complexa. Referimo-nos à transição do modelo tradicional de mobilidade alicerçado nos combustíveis fósseis enquanto fonte de energia, para um modelo de zero emissões líquidas de gases com efeitos de estufa, também no domínio rodoviário e tal como se encontra plasmado no Pacote Ecológico Europeu ou “EU Green Deal”, apresentado pela Comissão ao Parlamento Europeu a 11 de dezembro de 2019. Em Portugal, e em linha com o projeto da Comissão que viria a ser vertido no Pacote Ecológico Europeu, a viagem pela Fiscalidade Verde automóvel começou o seu caminho de forma mais pronunciada com a publicação da Lei n.º 82-D/2014, a 31 de dezembro - a chamada Lei da Fiscalidade Verde. Em concreto, e relativamente à fiscalidade indireta aplicável à mobilidade automóvel, o diploma em apreço consagrou a possibilidade de dedução integral do IVA nas despesas relativas à aquisição, fabrico, importação, locação e transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, dentro de determinados patamares de custo de aquisição definidos em Portaria. De igual modo, a Lei da Fiscalidade Verde acomodou novas parcelas a abater em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV) em linha com a componente ambiental das viaturas, para além de se instituir, igualmente em sede de ISV, uma taxa intermédia para os automóveis “amigos do ambiente”, equipados com motores híbridos, plug-in, de baterias carregáveis através da rede elétrica, de utilização mista ou outras que utilizem gases de petróleo liquefeito (GPL) ou gás natural. Ainda, e em sede do Fundo Ambiental criado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016, é possível destacar um conjunto de incentivos à introdução no consumo de veículos de baixas emissões. E porque os transportes são responsáveis, segundo dados da Comissão, por cerca de 30% das emissões de dióxido de carbono na União Europeia, importava criar incentivos fiscais não apenas à aquisição de viaturas elétricas ou híbridas plug-in, como também desagravar a fiscalidade indireta associada à fonte de energia motriz destes veículos. Assim, rapidamente se alargaram os incentivos em matéria de fiscalidade indireta da aquisição de viaturas híbridas ou plug-in para as respetivas fontes de energia, in casu, a eletricidade. Ainda que até 2019 fosse posição administrativa firmada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao arrepio dos princípios que norteavam toda esta nova onda da fiscalidade, a impossibilidade de dedução do IVA suportado com aquisições de eletricidade utilizadas no carregamento de viaturas híbridas ou plug-in, esta distorção de mercado de sinal contrário à política de renovação ecológica do parque automóvel nacional viria a ser corrigida na Lei do Orçamento do Estado para 2020 [Lei n.º 2/2020, de 31 de março], através da introdução da alínea h), no número 2, do artigo 21.º do Código do IVA. Esta alteração permitiu aos sujeitos passivos a possibilidade de deduzir o IVA incorrido em despesas respeitantes a eletricidade utilizada em viaturas elétricas ou híbridas plug-in. Sobre esta matéria e ao nível Europeu, até junho de 2021 a Comissão irá propor a revisão da legislação relativa às normas de desempenho no que respeita às emissões de dióxido de carbono dos automóveis de passageiros e dos veículos comerciais ligeiros, precisamente no sentido da promoção de uma mobilidade livre de emissões. Simultaneamente, a Comissão irá estudar a possibilidade de alargar o atual Sistema de Comércio de Licenças de Emissão aos transportes rodoviários, numa implementação prática de um mecanismo evidente de equivalência funcional ecológica, a par e passo com outras medidas de avaliação do desempenho de emissões de CO2 ao nível das viaturas. Dentro desta agenda Comunitária, a gestão das frotas empresarias afigura-se de tal forma importante que a ADENE - Agência Nacional para a Energia, desenvolveu já um sistema de avaliação e classificação do desempenho energético das frotas empresariais, o qual permite às empresas conhecer a eficiência energética dos seus parques automóveis e que alterações se afiguram desejáveis em termos de gestão de custos e pegada ecológica. A mudança do paradigma da mobilidade encontra-se em curso e, tal como em qualquer mudança, é fundamental assegurar os incentivos necessários para uma transição que parece agora ganhar uma certa energia cinética. Dúvidas houvesse, que o demonstrem as estatísticas de venda de viaturas elétricas ou híbridas plug-in no mercado nacional. Em 2020, os automóveis totalmente elétricos registaram 5,4% das vendas totais, sendo que os híbridos e híbridos plug-in registaram uma quota de mercado de 8,1%, cada um, o melhor ano de sempre. No entanto a transição para uma mobilidade verde não se encontra completa, bem longe disso. Por outro lado, é absolutamente necessário assegurar uma boa gestão de expectativas aliada ao paradigma rodoviário, sob pena de assistirmos à falta de convergência das empresas naquilo que é o compromisso necessário ao sucesso da transição “verde”. Pese embora o desagravamento de forma genérica daquilo que é a fiscalidade indireta sobre o futuro da mobilidade elétrica, assistimos recentemente a declarações de decisores políticos no sentido de a tendência futura passar pela redução dos incentivos aos carros elétricos. A mudança de contexto e visão prática na gestão das frotas empresarias, não se compadece com incentivos isolados ou que redundam em sol de pouca dura. A estratégia de mudança tem que ser concertada, de médio e longo prazo e a fiscalidade indireta em muito pode contribuir, seja ao nível do IVA, seja em sede de fiscalidade especial sobre o consumo. Caso contrário, corremos o risco de tentar apanhar moscas com vinagre, ficando aquém do objetivo audaz da Comissão da tão ambicionada neutralidade climática já em 2050.

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