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A Estabilidade fiscal em Portugal (ou a ausência dela?) - tratamento de mais valias mobiliárias

As sucessivas alterações ao enquadramento fiscal das mais valias mobiliárias são reflexo da instabilidade que, para muitos, caracteriza o sistema fiscal português. A PLOE 2022 que foi rejeitada na votação na generalidade no final do ano passado previa mais uma alteração a este nível, não obstante esta medida, em princípio, não se irá agora materializar na proposta a apresentar pelo Governo.

 

A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022 (“PLOE 2022”) previa que o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultantes de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, fosse obrigatoriamente englobado quando resultasse de ativos detidos por um período inferior 1 ano e o sujeito passivo auferisse um rendimento coletável, incluindo esse saldo, igual ou superior a €75.009, sendo, deste modo, estes rendimentos sujeitos às taxas progressivas de IRS (até 48%), acrescidas da taxa adicional de solidariedade, sempre que aplicável.

A reflexão que pretendemos fazer sobre este tema não está relacionada com o mérito desta medida, mas sim com o facto de ser mais uma vez equacionada a alteração do enquadramento fiscal aplicável a este tipo de rendimentos.

Como ponto de partida, cumpre referir que, à data de hoje, os sujeitos passivos de IRS são tributados, regra geral, pelo saldo positivo das mais-valias e menos-valias mobiliárias, a uma taxa especial de 28%, salvo opção pelo englobamento, ou outras exceções previstas na lei.

Contudo, a referida taxa de 28% apenas passou a ser aplicável a partir de 2013. Nos últimos 20 anos, a taxa aplicável aos referidos rendimentos (e até a determinação do rendimento tributável) foi sujeita a diversas e profundas alterações. Vejamos.

Até ao ano 2000, a tributação das mais-valias mobiliárias estruturava-se em dois eixos: (i) exclusão de tributação das mais-valias de ações detidas pelo seu titular por mais de 12 meses e de obrigações e outros títulos de dívida; (ii) tributação das mais-valias ”especulativas” (ações detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses) à taxa especial de 10%, tendo o titular a opção pelo englobamento.

A 1 de janeiro de 2001, entrou em vigor a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. Em termos gerais, de acordo com as alterações introduzidas por esta lei, o saldo positivo ou negativo passou a ser considerado para efeitos de determinação do rendimento tributável, em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante, sendo sujeitos às taxas gerais e progressivas, apenas quando o saldo apurado relativamente aos valores mobiliários fosse superior a 997,60 Euros, englobando-se os valores até este montante para o efeito de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos (isenção com progressividade).

 

Este regime não chegou, todavia, a ser aplicado através do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 228/2002 de 31 de outubro, veio repor, no Código do IRS, as linhas essenciais do regime de tributação das mais-valias mobiliárias que tinham vigorado até à publicação da Lei n.º 30-G/2000.

A Lei n.º 15/2010, veio introduzir novas alterações ao regime, desde logo através da alteração da taxa de imposto, que passaria a ser de 20%, e do fim da exclusão de tributação dos rendimentos de mais valias provenientes da alienação de ações detidas por um período superior a 12 meses, estabelecendo assim a tributação de todos os rendimentos desta natureza, com regime de isenção para os pequenos investidores.

A Lei do Orçamento do Estado para 2012 veio novamente aumentar a taxa especial a incidir sobre o saldo positivo das mais-valias mobiliárias, passando estes rendimentos a serem tributados a uma taxa de 25%. Esta taxa foi aumentada pelo Orçamento do Estado retificativo para 2012 para 26,5% e, por sua vez, a Lei do Orçamento do Estado para 2013 veio introduzir a atual taxa de 28% sobre os rendimentos das mais valias.

Em face do exposto, concluímos que nos últimos 20 anos, a instabilidade fiscal, visível à luz das sucessivas alterações relativamente ao tratamento fiscal deste tipo de rendimentos, obriga os contribuintes a uma reforçada atenção, inspirando alguma desconfiança nos mesmos, justificada pela dificuldade em prever os próximos desenvolvimentos. Urge, assim, no nosso entender, sedimentar o enquadramento fiscal deste tipo de rendimentos, sendo este um dos primeiros passos para garantir a estabilidade fiscal em Portugal, que há tanto se apregoa. Será – apenas – mais uma inconsistência?

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