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A esperada atualização das regras de preços de transferência-algumas dúvidas práticas

Com a publicação das Portarias n.º 267/2021 e n.º 268/2021, ambas de 26 de novembro, foram efetuadas alterações de pormenor ao regime dos acordos prévios sobre preços de transferência (“APPTs”), e modificações substanciais à regulamentação geral desta matéria, nomeadamente no campo das obrigações declarativas dos sujeitos passivos.

No tocante às obrigações declarativas, as modificações parecem ter três objetivos principais. Primeiro, a simplificação. Atualizam-se para valores bem altos, face à realidade económica nacional, os que servem de referência para a obrigação de preparar e, quando obrigatório, entregar à AT, a documentação em matéria de preços de transferência. Em segundo lugar, oferecer mais segurança jurídica aos contribuintes, através da densificação de conceitos fundamentais para a correta aplicação das regras em causa. Em terceiro lugar, o combate à evasão fiscal, através de mecanismos que visam mitigar o risco de abuso, no momento em que Portugal simplifica e flexibiliza as obrigações declarativas dos contribuintes.

Nestas três dimensões, colocam-se algumas interrogações que vale a pena suscitar, embora as questões sejam bem mais do que as respostas disponíveis nesta fase.

No plano da simplificação, cria-se um modelo de documentação aplicável às empresas qualificadas como pequenas ou médias (PME), nos termos estabelecidos no anexo ao Decreto-Lei nº. 372/2007, de 6 de Novembro. Para a adoção do modelo simplificado estará em causa uma mera verificação dos indicadores de referência previstos naquele diploma (número de colaboradores, volume de negócios anual e balanço total anual), ou será necessária a certificação prévia como PME por parte do IAPMEI? Os indicadores são analisados empresa a empresa, ou em função do total do grupo a que a mesma pertence, como acontece quando está em causa a emissão da certificação como PME? Dir-se-ia, no espírito do diploma, que deveria bastar a verificação dos requisitos previstos na lei, sem necessidade de existência de certificação prévia por parte do IAPMEI. No entanto, é prudente que os sujeitos passivos que pretendam adotar o processo de documentação simplificado obtenham a certificação até à data legal de preparação / entrega de tal documentação, na ausência de clarificação deste aspeto em tempo útil pela AT e, em especial, quando a empresa não puder ser considerada autónoma, por se encontrar incluída num grupo empresarial, até porque o certificado poderá sempre ser solicitado numa situação de inspeção.

No que respeita à dimensão da segurança jurídica dos contribuintes, o tema dos ajustamentos ao lucro tributável é um dos mais importantes. A nova regulamentação determina que o contribuinte os deve efetuar quando, existindo desvios na política de preços de transferência implementada, tais desvios são positivos, isto é, favoráveis ao Estado. No plano da equidade seria expetável que o contrário também fosse verdade. Mas a nova regulamentação é omissa, como a anterior já era, em relação a este aspeto tão importante.

A língua em que a documentação tem que ser preparada, e entregue, é um tema também relevante, principalmente para as filiais e sucursais de grupos estrangeiros. A nova regulamentação determina que os documentos que contenham informação em língua estrangeira devem ser traduzidos para a língua portuguesa aquando da sua apresentação junto da AT, sem prejuízo de esta poder dispensar a sua tradução por se mostrar acessível o conhecimento do conteúdo desses documentos na língua oficial. Importaria que a AT clarificasse quem autoriza tal dispensa e em que momento a mesma deve ser solicitada (desde logo para os contribuintes que estão obrigados a enviar a documentação de preços de transferência de 2021 para a AT até 15 de Julho de 2022) e, eventualmente, as línguas que, à partida, poderão ser consideradas para este efeito.

A nova regulamentação determina agora que os sujeitos passivos devem disponibilizar, sempre que solicitado pela AT, o acesso às bases de dados utilizadas para suportar os estudos dos elementos comparáveis apresentados na documentação relativa aos preços de transferência. Existindo neste momento um consenso alargado relativamente às bases de dados mais fiáveis, utilizadas quer pela AT quer pela maioria das empresas de prestação de serviços profissionais, em especial nas áreas de informação financeira de empresas, royalties e operações financeiras, seria importante que a AT disponibilizasse a lista das bases de dados que lhe merecem mais confiança. Isto simplificaria bastante os processos inspetivos, ao facilitar a réplica e confirmação imediata, por parte da AT, dos critérios de seleção e eliminação de comparáveis utilizados pelos sujeitos passivos, minimizando o risco de contencioso.

No plano do combate à evasão fiscal destaca-se o tema dos sujeitos passivos dispensados de preparar documentação dentro dos prazos legais, em função dos critérios estabelecidos na nova regulamentação. Esta é clara no sentido de que tais sujeitos passivos terão que produzir prova da paridade com as condições de mercado no que respeita às operações relacionadas que levem a cabo ao serem notificados para esse efeito. Presume-se que o prazo geral de 10 dias previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CPPT será aplicado nesta situação. Será assim? E que documentação terão que produzir? A que estariam obrigados a preparar em função de serem qualificados, ou não, como PME, como dispõe a nova regulamentação, ou seja, o modelo geral (dossier principal / dossier específico) ou simplificado? O tema é importante, porque teremos, no limite, situações de empresas que ultrapassarão os €10,000.000 de rendimentos e terão pouco mais de €500,000 de transações relacionadas, ficando abrangidas pela obrigação de documentação nos prazos legais, enquanto que outras, ficando ligeiramente abaixo do patamar de €10,000,000, podem ter mais de €9,000,000 de transações desta natureza, ficando no regime de documentação supletivo (isto é, apenas obrigadas a entregar a documentação se a mesma for solicitada) mas estando, obviamente, sujeitas a um maior risco de escrutínio.

Uma novidade importante é a exigência aplicável aos prestadores de serviços que preparem os estudos técnicos de apresentarem uma declaração de responsabilidade pela informação e técnicas utilizadas em tais estudos. Estando esta exigência incluída no artigo da nova regulamentação que trata do processo de documentação relativo aos preços de transferência, não parecem existir dúvidas que a declaração de responsabilidade deverá ser emitida quando exista externalização da preparação de tal documentação por um dado sujeito passivo. E qual será o formato da declaração de responsabilidade que os prestadores de serviços agora estão obrigados a entregar aos sujeitos passivos que os contrataram para a realização dos estudos de preços de transferência? Sendo uma declaração também exigida no âmbito da negociação de APPT’s, seria útil que a AT disponibilizasse atempadamente uma minuta com a redação sugerida.

Tratando-se de regulamentação muito recente, existem como é óbvio aspetos que irão sendo afinados mediante a atuação dos contribuintes e da AT, especialmente no decurso das inspeções fiscais. Será produzida doutrina, no plano académico e administrativo que também ajudará. A jurisprudência dos tribunais, especialmente do CAAD, por via dos prazos apertados para proferir decisões a que está adstrito, fará o resto. No entanto, e dado que se aproxima a passos largos o prazo para preparação, para alguns contribuintes e, para entrega, para outros, da documentação de preços de transferência já abrangida pela nova regulamentação, a clarificação das questões de cariz mais prático suscitadas neste texto seria muito bem-vinda.

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