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A alteração do léxico fiscal

De uma forma ou outra, quem lida com frequência com temas fiscais já se deparou com expressões que envolvem remissões para a ação x, y ou z do BEPS (“Base Erosion and Profit Shifting”), referências à ICA (“International Compliance Assurance”), ao prazo para entrega do CbCR (“Country-by-Country Report”) ou, ainda, à relevância crescente do MLI (“Multilateral Instrument”), entre outros.

Estes acrónimos são o produto do que parece ser uma atitude mais do que proativa de algumas instituições supranacionais, principalmente a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”) e a União Europeia, com algumas tentativas de aproximação ao pelotão da frente por parte da Organização das Nações Unidas (embora esta última, diga-se em abono da verdade, mais preocupada com aspetos fiscais relacionados com os países em vias de desenvolvimento), que se assemelha, perigosamente, a uma corrida para ver quem apresenta mais trabalho no mais curto espaço de tempo.

Toda esta hiperatividade criativa tem vantagens e desvantagens. No plano das vantagens, assinala-se o grande desenvolvimento e a densificação de alguns conceitos e de temas com que os agentes económicos, principalmente as empresas, têm que lidar amiúde. Refiro apenas, para simplificar, de entre as 15 publicadas, a medida 1 do BEPS que endereça o tema muito atual dos desafios fiscais da economia digital, e a medida 7, relativa ao tema dos estabelecimentos estáveis. No que respeita a desvantagens, encontramos uma agenda que condiciona os Estados a alterarem radicalmente, e muito rapidamente, as suas leis fiscais, muitas vezes sem o tempo necessário para equacionar se essas alterações, sempre justificadas com o argumento do combate às práticas fiscais abusivas, não implicam, no médio/longo prazo, uma perda efetiva de receita, seja pela falta de estabilidade do sistema fiscal, que afasta muitos investidores, seja porque direta ou indiretamente transfere receita para determinadas jurisdições que, pela sua relevância no contexto internacional, conseguem condicionar as decisões que são tomadas no âmbito destas instituições supranacionais.

Atente-se, por exemplo, no que propõe a medida 15 do pacote BEPS (“Developing a Multilateral Instrument to Modify Bilateral Tax Treaties” ou MLI). Nada menos que o desenvolvimento de um instrumento multilateral que pretende modificar os tratados bilaterais celebrados entre países para evitar a dupla tributação. Embora a ideia seja alinhar os tratados em causa com as orientações do pacote BEPS, e sem prejuízo de se tratar de um processo voluntário, fica claro, lendo os documentos publicados pela OCDE sobre o tema, que a ideia prevalecente é a de que os tratados em causa acabam por fomentar aquilo que o pacote BEPS pretende combater. Isto porque tais tratados são aplicados em articulação com a lei fiscal de cada um dos países contratantes e porque existe uma grande disparidade nas cláusulas negociadas e aceites nos diferentes instrumentos subscritos por cada país. E que esses factos geram oportunidades para abuso e aproveitamento em termos de minimização artificial da carga fiscal.

Ora, a razão fundamental para a assinatura de tratados bilaterais assenta, precisamente, num processo negocial em que cada um dos países avalia a sua posição e tenta fazer valer os argumentos e as cláusulas que lhe são mais convenientes ou menos desvantajosas, tendo por pano de fundo a intenção de eliminar os fenómenos de dupla tributação que ocorrem nas transações internacionais. E já nem menciono o processo formal de aprovação, muito complexo, que o nosso ordenamento jurídico preconiza para que se chegue à fase de ratificação de um instrumento desta natureza. O MLI, como agora se diz, faz tábua quase rasa de todos estes aspetos de relevância nacional. Parece, na verdade, uma iniciativa destinada a impor a muitos a vontade de uns poucos.

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